Retina Refletindo Dor

NÃO AGÜENTO MAIS! Sério, já tentei de tudo e mais um pouco e a coisa não some. Sim, já tentei conhecer outras pessoas. Conheci gente até demais. Mas ela sempre aparece na minha frente em forma de lembrança. Você acha mesmo que não devo ficar com mais ninguém enquanto esse sentimento continuar ativo? Meu, mas ele some por um tempo! Parece praga, só volta pra estragar tudo, quando eu acho que tudo está bem. Que porra transcendental é essa? Não, acho que não houve um único dia que eu não me lembrei dela. Porra, sei lá, vivo me perguntando o por que e quando disso ter se instalado dentro de mim. Não, não tentei falar pra ela o que eu sinto. Acha mesmo que eu deveria ter tentado? Se já assustei-a só com meus olhares e silêncios, imagina como seria com palavras? Ficou subentendido em seu sumiço que não era pra ser - não comigo. Sabe, isso já é o suficiente para não lembrar mais e tocar a vida pra frente mas, cedo ou tarde, essa merda volta, e sempre volta de forma arrebatadora. Amor? Não sei se é. Parece mais uma doença - algo como um câncer que vai me destruindo aos poucos de forma traiçoeira. Será que é ego ferido? Não, acho que não. Antes de vir aqui falar com você eu fiquei matutando essa hipótese e cheguei à uma conclusão meio nublada: penso que um ego fica ferido quando ele tem seus preceitos ilusórios extremamente arraigados, firmes numa determinada convicção e direção. Daí surge algo que o afronta, corrompe e corrobora o que era dado como concreto. Eu não expus o que sentia ou pensava justamente porque não sentia e nem pensava; apenas deixava os dados rolarem. DEPOIS é que tudo ficou estranho - depois que ela desapareceu. Não deu tempo do meu ego ser ferido, pois ele já estava devastado demais para ser ferido. Ela era uma cretina promíscua assumidamente desmiolada e imã de encrenca. Me diz: o desmiolado da história sou eu, não sou?, por gostar de alguém assim? Sei que sou... Ah, merda, preciso de um abraço, de um cigarro, de um porre, de uma corda, de um precipício. Desculpe-me por molhar sua camisa com as lágrimas de um sofrimento tão mesquinho (pois existem coisas mais importantes e lastimáveis no mundo carecendo de lágrimas) e sufocante, mas é mais forte do que eu e sinto que preciso liquifazer essa dor para enfim conseguir voltar a ser dono do controle do meu corpo e das minhas vontades. Não, sim, vou ficar bem, pode ir. Valeu pela força!, você acredita no que eu sinto, não é que nem os outros que dão de ombros e me reduzem à um boneco de plástico sem coração como eles talvez o sejam. Obrigado mesmo! Agora vou dormir, tá? Tchau!

Dá a última olhada no fundo dos próprios olhos no reflexo do espelho do banheiro. Estão mais claros e mais opacos, vazios, não denotam a magnitude da dor que ele sente. Apaga as luzes da casa e vai dormir. Tentar dormir, sozinho, rolando de um lado para o outro sufocando e destruindo as imagens daquele ser humano que tanto gera desafeto dentro de um sentimento que é tão puro. Adormece.

Cólera - Águia Filhote

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 05/10/2010
Reeditado em 06/10/2010
Código do texto: T2539827
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