Encontro de Suicidas

Ando alheio à multidão e olho pro céu: prédios e mais prédios derretendo, amolecidos pela minha dor; turvos por trás da cortina de lágrimas que transbordam de meus olhos. Sento nos degraus do Banco Safra e fico ouvindo o par de músicos tocando Bittersweet Symphony com seus violinos. Isso me acentua a dor, o amargo. Era uma de suas músicas favoritas. Era. Não é mais. Não mais poderá ser. E a culpa é minha. Única e exclusivamente minha. Um pedinte se aproxima e desiste da investida assim que vê minha cara inchada. As pessoas lançam um olhar ocasional pra mim e suas reações são diversas: dão de ombros, ficam curiosas, se sentem compadecidas. Eu continuo revirando a cabeça tentando entender seus motivos; tentando entender sua decisão; tentando não acreditar na veracidade da notícia que veio por torpedo no celular.

Foi ao telefone, de manhã, que tudo começou a ter fim. Tudo.

- Por favor, vamos tentar novamente. Eu te amo muito, muito, não vou conseguir continuar a viver sem você, sem seu carinho, sem seu jeito rabugento, sem seu calor...

- Eu não quero mais continuar, por favor. Acabou.

- Você tem certeza? Eu sou capaz de fazer uma loucura.

- Não acredito nisso.

E desligou o telefone.

Algumas horas depois recebo a mensagem.

"Ela se matou. Cortou os pulsos no quarto. Segurava uma foto de vocês dois juntos. Cretino, o que você fez com a minha amiga, seu desgraçado!!"

Me levanto e continuo andando. Ao atravessar uma rua um carro pára abruptamente a alguns centímetros de distância de mim. O motorista afunda a mão na buzina e grita impropérios pra mim. O incompetente. Dou um sorriso fraco e continuo minha marcha.

Os carros passam velozmente na 23 de maio logo abaixo. Aqui do alto sinto vertigem ao ver como eles são velozes e procuro pensar no que motiva as pessoas a terem tanta pressa pra tudo. Passo para o outro lado da grade, sinto uma lufada de ar no rosto vinda do lado oposto, como que um aviso do além informando que eu não estava no lugar certo, que não estava fazendo a coisa certa.

Nós nunca estamos no lugar certo. Nunca fazemos a coisa certa. Sempre magoamos, fabricamos armas, fabricamos dor, matamos uns aos outros, traímos uns aos outros. Não seria um vento que ia me convencer do contrário. Eu preciso te encontrar e te falar os meus motivos, explicar pra você porque não dava mais para continuarmos juntos. Preciso de você.

E é por isso que eu solto as mãos e me lanço a frente e mergulho no ar, caio, minha pressão cai, vejo as nuvens, o alto das árvores - o quão altas elas são sendo observadas durante uma queda -, a lua cheia que tanto observamos desse mesmo lugar e eu sinto o impacto, meus ossos se quebrando, meus sangue jorrando, minha inconsciência nascendo e os carros freando e buzinando e uma roda me queimando, me rasgando, me esmagando e eu preciso de você.

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 22/09/2010
Código do texto: T2513936
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