Ruas interiores

Menino, andava a esmo pelas ruas da cidade. Não fazia projetos nem traçava roteiros. Deixava que a tarde lhe desse a sugestão dos caminhos a percorrer.

De posse da velha calça jeans e do tênis confortável, pilotava seus pés. Não importavam as distâncias. Vencido pela noite e o cansaço, desistia. Um fictício sinal vermelho indicava seu retorno ao lar.

Deixava os adultos boquiabertos com sua milhagem diária. Eles censuravam o desgaste excessivo dos sapatos, o perigo em explorar recantos pouco seguros. No entanto, nunca o proibiam de seguir adiante.

Bem mais tarde, teve o insight do que aquelas incursões urbanas significavam.

Vislumbrou em sua busca, um desejo disfarçado de aventura. Tinha ímpetos de ganhar o mundo, tangenciar novas terras e pessoas. Transitando pelas tardes solares, espantava a insegurança. Nutria-se, basicamente, das sensações de liberdade que ousava experimentar.

Daí interagir com outras cidades, tornou-se corriqueiro em sua vida. Deixou-se guiar por seu feeling e foi conhecendo inéditos lugares e pessoas. Colecionou manhãs oceânicas, tardes urbanas, noites e madrugadas de jazz.

Por isso, talvez os relatos de viagens, ainda, o emocionem. O semblante das pessoas, as fotografias dos recantos, as vivências emolduram um conjunto harmonioso. Que ele teme desafinar.

Hoje, em seu intervalo de trabalho, saiu como garoto pelas avenidas de sempre. Solitário e aberto a todas as intempéries.

Deixou que as sensações conduzissem, novamente, seus passos. Sentiu-se como um filósofo grego em meio à urbanidade. Refletiu, despreocupadamente, entremeado a algum resquício de natureza, alheio à neurastenia das pessoas e dos automóveis.

Depois do caminho percorrido, nenhum de cansaço, nenhuma dor. Desembocou dentro de si mesmo...

Ricardo Mainieri

Ricardo Mainieri
Enviado por Ricardo Mainieri em 16/09/2010
Reeditado em 17/09/2010
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