Pastel de feira da dona Myoko
Então estava combinado: eu haveria de levar pastel com Tubaína para a casa da minha madrinha.
Há meses estava combinado. Eu só não levei os pasteis antes porque estava há 700 km de São Paulo. Mas a promessa estava feita. Haveríamos de nos sentar e, calmamente, dar razão à santíssima gula. Eu levaria a tubaína já geladinha e os pasteis quentes, fritos na hora.
Mas a madrinha - a minha tia Norma - estava planejando a degustação e, com frequência, queria saber se eu levaria os “pastero”. Não, a minha madrinha não é japonesa. É filha de portugueses, nascida em Santos no início do século XX. Dona de uma sabedoria e um bom humor inigualáveis! Sempre leu, apreciou a boa mesa e com uma enorme curiosidade sobre qualquer assunto.
E, num domingo frio de julho, fui atrás dos “pastero”.
Na feira da Vila Sônia uma senhora de origem japonesa – é claro – me atendeu muito bem. Pedi um tanto de frango, outro de carne e uns tantos de palmito. Muito sorridente, me deu de brinde mais um de palmito. Eu ali, com uma cestinha térmica, acomodando as delícias uma ao lado da outra. Quem me atendia era a dona Myoko, muito conhecida pela freguesia, provavelmente pela simpatia e pelo bom atendimento.
Impossível não comprar pastel de japonês. Pastel rima com a história de São Paulo dos anos 40. Época da II Guerra Mundial e os japoneses, italianos e alemães sofriam toda sorte de preconceito em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Os japoneses, para sobreviver, resolveram se passar por chineses e começaram a abrir pastelarias em várias partes do centro da cidade. Afinal, pastel é de origem chinesa. E como brasileiro acha que se o olho é puxado é tudo igual, os japoneses se fizeram passar pelos seus inimigos históricos, com a possibilidade de viverem numa certa paz aqui por essas terras.
Mas a dona Myoko foi perfeita naquele momento. Afável, disse que também eu poderia chamá-la de “tia” porque é conhecida dessa forma no bairro. Eu prefiro lembrar dela pelo nome próprio, que tem a cara de uma cidade cosmopolita, num bairro que tem uma rua de nome interessantíssimo: “rua do imigrante japonês”.
Eu não sei há quanto tempo a dona Myoko atende naquela feira de domingo, se foi criada por esse trabalho ou se criou os filhos com essa renda. O que é interessante é a história construída naquela barraca, com os anúncios pendurados: pastel de queijo, de carne, de palmito, de frango, de carne seca, de abóbora, de beijinho, de banana, de chocolate... pastel com um profundo aroma de uma cidade que abriga a todos os que chegam...