O Filhote de Rolinha

Já faz alguns anos, mas lembro-me como se fôsse hoje.

Sentia-me de certa forma pressionado no meu serviço, por conta de estar substituindo meu chefe nas suas férias, o que me colocava com grande responsabilidade pela seção comandada por ele na empresa. Passava os dias ansioso, sempre com receio de não estar à altura do cargo, de que algo acontecesse, do qual não seria capaz de dar conta.

Foi justamente nessa situação que eu o encontrei, numa certa manhã, antes de pegar o carro, na garagem. Um pequenino ser forrado de penas, assustado, frágil, pulando daqui para ali, sem condições de voar. Um filhote de rolinha, como identificou mais tarde um cunhado meu. Peguei-o facilmente, coloquei-o numa caixa de papelão, onde o deixei até que voltasse para o almoço.

Tinha uma dívida de consciência com relação a filhotes de pássaros, desde um episódio de minha infância que me deixou muito consternado. Naquela época, tinha em mãos também um filhote de pássaro (acho que um pardal) e resolvera com ele pegar um pássaro maior. Armei uma arapuca com uma caixa de madeira emborcada, um pau segurando-a meio aberta e um barbante para puxar o pau de um local escondido. Por baixo da caixa coloquei o filhote, quieto, imóvel, que, na minha ingênua concepção, seria o chamariz de um pássaro adulto. Havia um vento frio. Depois de algum tempo esperando inùtilmente pela minha presa, resolvi desistir e fui pegar o filhote. Ao pegá-lo, constatei que estava morto. Não suportara o frio. Levei um choque. Um profundo remorso tomou conta de mim.

Portanto, salvar aquele filhote de rolinha era uma oportunidade rara de resgatar aquela dívida da infância. Voltando para o almoço, resolvi colocar o filhote na gaiola do canário de minha mãe. A gaiola era grande, tinha um separador que podia ser colocado para dividi-la em dois compartimentos. O filhote ficou de um lado, o canário do outro.

No início coloquei comida do canário para ele. Depois, orientado pelo meu cunhado, comprei e dei-lhe quirela. Nos primeiros dias, ele ficava totalmente imóvel, eu nunca o via comer. Por isso, achava que estava fadado a morrer em pouco tempo. Quando chegava do serviço, onde ficava às voltas com o estresse provocado pela responsabilidade do cargo, ia imediatamente vê-lo. Um estranho alívio me invadia ao ver que ainda estava vivo e a ansiedade trazida do serviço ia embora. Então percebi que começaram a aparecer fezes no piso da gaiola e que, portanto, ele estava comendo quando ninguém o observava. Nunca vi ninguém ficar feliz em ver fezes, mas nesse momento fiquei, pois vi que ele ia sobreviver.

Muitas vezes desde então, quando me sentia angustiado com relação ao serviço, pensando nas situações tensas em que lá me envolvia, eu ia vê-lo e a ansiedade passava. Gostava de vê-lo forte e sadio. Uma vez até consegui surpreendê-lo comendo.

Pretendia soltá-lo quando se tornasse adulto e soube que em um mês ele chegaria a essa condição. O mês passou rapidamente e ao final dele o filhote tornara-se uma robusta rolinha.

O momento da soltura foi bem peculiar e merece ser contado. Era um domingo de manhã. Queria que a rolinha saísse por conta própria da gaiola, com confiança para voar. Tinha receio de que ela não soubesse voar plenamente e, assim, se a soltasse da minha mão, poderia escapar e desaparecer claudicando, passando a ser alvo fácil dos gatos errantes. Levei a gaiola até a árvore em frente de casa, abri e prendi aberta a portinhola do seu lado e pendurei a gaiola num galho que pude alcançar. Voltei para casa e fiquei observando da garagem, mas ela não se animava a sair. Então entrei em casa e fui ver televisão. No primeiro intervalo do programa a que assistia, fui lá fora dar uma espiada e, frustrado, vi que ela ainda continuava lá dentro da gaiola. Voltei para a televisão e, depois de algum tempo, no segundo intervalo, fui novamente lá fora espiar a situação. No instante em que eu a vi, percebi que ela fixava os olhos no canário que estava do outro lado da gaiola, como se estivesse se despedindo. Aí ela pulou para a abertura e saiu voando fazendo uma linda circunvolução no ar para desaparecer gloriosamente no céu. O arremate dessa história, que começou lá na minha infância, não poderia ter sido melhor. Fizera ela questão de me esperar para que eu assistisse à sua partida? Não creio, apenas acredito que coincidências existem.

Algum tempo depois, fazendo minha caminhada habitual, reparei numa rolinha na rua, perto da calçada, que me fixava e não se assustou com minha aproximação. Passei perto dela e ela não se mexeu. É claro que não era o filhote que salvara. Mas nossa imaginação é fértil e gostei de imaginar que fosse, que ali estava para me agradecer. Mas quem tinha que agradecer era eu a ela. Trouxe-me tranquilidade num momento profissional difícil e a oportunidade de resgate de uma dívida.

Olhei para trás e nesse instante ela alçou vôo e desapareceu.

Paulo Tadao Nagata
Enviado por Paulo Tadao Nagata em 15/09/2006
Reeditado em 13/04/2022
Código do texto: T240799
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