Aquilo Que Um Comensal Faz em Festas no Olimpo

Estou no meio de uma confusão de corpos e hormônios. Estou entre muitas pessoas com o exterior belo. Pessoas que alinham a própria beleza com a beleza das roupas. O sexo feminino e o sexo masculino em sua mais pura exaltação da beleza. Eu sinto um tédio enorme no meio delas. Então começo a sorver vodka. Ela desce pela garganta, se mistura ao cappuccino que bebi antes de sair de casa e gradativamente vai eliminando o meu tédio. Começa a tocar MGMT e meu corpo começa a se balançar no ritmo da música. Eu presto atenção nos meus movimentos e eles são sempre os mesmos seja com música eletrônica ou hardcore nova-iorquino. É uma casa. Simples: algum esperto decidiu aproveitar o espaço de uma casa num bairro bacana e transformar num lugar bacana, pra tocar música bacana e vender bebida por um preço bacana pra atrair um público bacana em noites bacanas. A palavra "bacana" me lembra a palavra "babaca", e eu me sentia um babaca no meio de tantas pessoas bacanas. Mas meu tédio foi totalmente eliminado e fui acometido por uma alegria de outro mundo e eu me senti menos babaca observando mulheres capazes de destruir qualquer homem e homens capazes de destruir qualquer mulher. Eu era apenas um comensal qualquer, dançando o mesmo ritmo metódico com um copo na mão e com a outra mão no bolso, enfiando o dedo mindinho no buraco do pano e o alargando pra dali cinco minutos minhas duas moedas de dez centavos caírem gélidas e baterem no meu joelho e se enfiarem no meu tênis, que por sinal eu tinha mijado em cima há alguns minutos atrás. Começou a tocar Float On. Gosto dessa música, e naquele particular momento eu estava flutuando mesmo. Elas eram as minhas últimas moedas e estavam dentro da minha meia, me incomodando. Estou na frente da caixa de som e cada batida da música impulsiona levemente minhas pernas. Tem uma lata - não bem uma lata de metal, de plástico, de um metro e pouco de altura - de lixo ao lado da caixa. Meu copo fica vazio e vou colocá-lo no lixo - o bom cidadão - e esbarro em uma garrafa de cerveja invisível que está em cima da caixa de som e a maldição da cerveja molha minha calça. O dono da cerveja pede desculpas, meio nervoso. Eu peço desculpas também, meio nervoso. Afinal, a porra da maldita caixa não era a merda de um balcão de bar. Então a gente se desculpa se olhando meio sem graça e meio irritadiço(s) e eu continuo meu movimento idiota de sempre, olhando o globo girando, espalhando suas luzes espalhafatosas pela pista de dança - uma sala como outra qualquer, mas sem sofá, sem televisão, sem mesinha de centro, sem quadros, sem um aquário, sem fios de controle de videogame e etc. O ambiente começa a ficar cheio. Cheio de mulher. Eu saio. No quintal - era a área livre para os fumantes, mas não deixava de ser um quintal, mas sem bicicletas no corredor, sem flores para regar, sem aquele carro 1992 que tem uma camada de dois dedos de espessura de poeira e nem merda do cachorro pra limpar - tem mais pessoas bonitas, lindas, provavelmente intelectuais, provavelmente exaltando e ostentando sua maldita cultura underground pau no cu, provavelmente falando dos filmes do Tarantino ou citando Saramago ou falando de Laranja Mecânica ou Pulp Fiction ou Clube da Luta ou simplesmente não falando de porra nenhuma, só abrindo e fechando a boca um para o outro, como peixes famintos dentro de um aquário de água suja. Vou até o banheiro - não sem desviar de umas trinta Afrodites - e a porta tanto abre para dentro como abre para fora e que permite que as mulheres (deusas) que ficam no quintal possam ver os mijões encostados no urinol. Eu empurro a porta mas ela não vai. Tem um cara do outro lado fazendo e pensando a mesma coisa. Eu entro, coloco o copo vazio - aquele que fui jogar no lixo e ganhei o banho de cerveja - em cima da madeira que eles colocaram lá para colocarmos copos vazios e abro o zíper (não sei por que, já que o zíper está quebrado e não dá pra fechar) e olho pro teto sentindo a uretra sendo acariciada, sentindo um vapor em volta da mão e sentindo também um martelar de leve no pé e percebo que to mijando de novo no tênis. É um mundo meio louco. Me mostram textos e pedem a minha opinião, o meu aval. Me mostram poemas, me falam de histórias, me mostram histórias e me falam de poemas como se eu entendesse alguma coisa, como se eu tivesse estudado Letras ou sei lá o quê e eu coço a cabeça fingindo que entendo alguma coisa e tento ser o mais sincero possível. Por que eu pensava nisso enquanto subia o zíper (que não serve de nada) da calça? Um cara encosta do meu lado e já fala que vai embora e o outro fica puto da vida porque tá cedo e amanhã é domingo e o primeiro responde simplesmente que é jornalista. Eu fecho o botão da calça e penso se Jornalismo é o que eu quero mesmo para a minha vida. Trabalhar de domingo é uma porra! Nunca trabalhei. Os empregos que eu arrumei que tinha que trabalhar de sábado não duraram muito pois eu sempre dava um jeito de desaparecer no sábado. Lavo as mãos e me olho no espelho. Alguns caras mijam e saem, sem lavar as mãos e sem olhar no espelho. Me senti meio veado por ser higiênico e por tentar me achar atraente olhando no espelho. Será que é por isso que eles estão com as melhores mulheres lá do lado de fora? Por que não dão a mínima pro cabelo despenteado ou para a remela pendulando no canto do olho e por que também não lavam as mãos? Então eu saio do banheiro deixando essas perguntas no ar e olho a geral que se formou naquele quintal bacana. Aquela moça de pele café-com-leite e de cabelos cacheados lindos e volumosos me olha. Já é a terceira ou quarta vez que ela me olha. Eu retribuo o olhar, mas não movo uma palha para alguma coisa acontecer. A amiga de uma amiga também me olha, pela nona ou oitava vez. Ela tinha um magnetismo no olhar, na pele, nas curvas, no cabelo, nos peitos, na bunda, nas coxas e tinha a capacidade de fazer qualquer mortal cair de quatro na sua frente. Menos eu. Naquela noite, poderiam esfregar uma buceta na minha cara que eu nada faria. Logo eu, pensei e, "quem diria", falariam os que me conhecem. Eu não ouvia mais música. Duzentas conversas paralelas ao mesmo tempo abafavam o som. Risadas, fofocas, olhares. Um idiota ao meu lado começa a rimar. Um branquelo, usando sandália e uma bolsa de carteiro. Cheirava dinheiro de longe e rimava. Cocei a bunda e fiquei lá sozinho, de pé, de frente para o banheiro, ao lado do segurança. Quando se toma gosto por esse lance de escrever a mente se altera. Eu olho para o meu 'eu' de dois ou três anos atrás e parece que são pessoas distintas, esse 'eu' antigo e esse 'eu' que eu sou hoje. A solidão incomodava esse 'eu' de 20 anos de idade, as festas eram mais proveitosas para o 'eu' de duas décadas de idade. O que eu quero dizer já é o óbvio clichê de que a solidão é totalmente inerente ao ato de escrever e todas as pessoas da festa curtindo e bebendo e conversando e que perdiam um ou dois segundos olhando pra mim nunca iriam entender o inferno que se passava na minha cabeça, com vozes gritando, com diálogos sendo formados, criados, explorados ao limite; como uma ou duas ou três personalidades que não são minhas conseguiam nascer e morrer dentro da minha cabeça; como uma procissão de flashes de lugares e adjetivos e planos e conquistas e avenidas e montanhas e sonhos e dentes quebrados e copos quebrados e pratos espatifados passavam na minha retina e eu não via nada além disso e não ouvia nada além das vozes gritando na minha cabeça, dos carros que não existem e me pertencem buzinando e capotando dentro somente da minha cabeça e ninguém consegue entender e até chacoteiem e eu preciso sentar. Um abismo de traições e decepções amorosas separa o 'eu' de três anos atrás para o meu 'eu' atual. Então eu me sentei, meio bêbado de mim mesmo, numa cadeira de madeira bacana que uma garota linda desocupou pra ir mijar. Sentei lá, ao lado do namorado dela. Eu consegui reconhecer, no meio da celeuma, a música que vinha de dentro da casa. Não por acaso, só pra assentar minha agonia. "Quando a rotina bate a forte e as ambições não progridem". Tédio, tédio, tédio de me ver entediado vendo os outros sem tédio nenhum. Eu acho as pessoas 'normais' tão tediosas! Como que elas se divertem? "Os ressentimentos voam longe e as emoções não crescem". O namorado da garota que me cedeu o assento se levanta e logo senta um cara em seu lugar. Eu vi o desenrolar da cena em que ele abordou uma mulher maravilhosa de cintura fina e quadril largo de costa(s) tatuada(s). Eles acabaram se beijando, óbvio. Se bem que essa obviedade é relativa, às vezes não dá certo, alguma coisa não bate. O hálito, o perfume, a conversa. "E nós seguimos nosso caminho pegando estradas diferentes". Não sei, ele puxa conversa comigo e diz: “Bebeu muito? Porra, eu também... Eu cheguei e... Você tem aí? Não fuma!? Caralho, como alguém não fuma maconha!? HAHAHA! Então, eu fumei antes de entrar, tomei umas brejas e agora um uísque aqui que puta que o pariu cara, eu tive de sentar. Eu posso me sentar aqui né? Você não tá esperando ninguém não né? Não!? Tá sozinho? Por que não aborda alguma cocotinha aí irmão? Aqui tá cheio delas! É foda... Mas você não fuma maconha mesmo, tem certeza?“. E assim foi a conversa com um cara bacana, que foi interrompida quando sua deusa tatuada chegou e o puxou para um canto e o beijou com fervor. Ele tinha um hálito podre. Eu não entendia o mundo."Então, o amor vai nos destruir, de novo". Depois de um tempo acabei me engendrando em uma conversa com uma garotinha lá. As conversas em volta, a proximidade da caixa de som criou um diálogo aos gritos. Pedi outro copo e comecei a ficar melhor, mais alegre, conversando aos berros com ela, que segurava uma garrafa de cerveja. Depois de cinco minutos de conversa o tédio era tangível entre nós. Desviei meus olhos para uma árvore do quintal do vizinho. Não era a primeira vez que eu a olhava. Paradona, participando de todas as festas sem pagar nada, olhando todo mundo se divertindo, casais se formando, brigas de socos. Era no corpo de suas amigas que eu escrevia meus poemas frustrados. Era em seu corpo que pardais nidificavam suas moradias. Era o corpo de suas amigas que me embalariam para o caminho do descanso eterno. Foi nela que eu fiquei imaginando uma forca. Me pedem conselhos. "Dois terços das possibilidades são negativas. O que se tem para perder? Nada. Você pode voltar pra casa com remorso por não ter tentado. Pode voltar para casa com o peso de um não. Pode voltar pra casa com um sorriso de orelha à orelha, com um telefone no bolso e uma história pra contar. Se você vai tentar, vai com tudo". É tão fácil falar o que os outros tem que fazer. É tão simples o mecanismo da sedução. Para os outros. Quando é para mim, é como se eu tivesse num novelo de lã de três quilômetros de diâmetro para desembaraçar com as mãos atadas aos pés. Vou até o banheiro novamente, não sem esbarrar em cópias e cópias (com braços) da Vênus de Milo. Encosto no urinol, coloco meu copo (dessa vez ele tá cheio) naquela plataforminha lá e olho pro teto de novo. A mesma aranha continuava no mesmo lugar do mesmo jeito. Mesmice. Por que o ser humano tem tanto que lutar contra a mesmice para não enlouquecer? A aranha ficava lá parada, esperando as moscas aparecerem, tecendo suas teias e olhando pau de bêbado e provavelmente era mais feliz do que todos aqueles que apinhavam a casa que não era uma casa mas sim uma casa que foi transformada num lugar bacana. Mijei no tênis de novo. Eu me sentia como o Velho Safado. Fiquei com vontade de escrever na plataforma de madeira. Mas não tinha caneta. Lá se ia minha inspiração descarga abaixo. Subi o zíper inútil e pensei em não lavar a mão. Mas lavei e me olhei no espelho. Meu cabelo era horrível: grande, sem formato, cachos desgrenhados e desalinhados. Minha barba era falhada, eu tinha uma espinha horrível na testa e minha boca não sabia o que era uma boca de mulher há um bom tempo. Não sabia mais o que era transar. Não ficava de pau duro ao lado de uma amiga minha que me deixava de pau duro só pra rir da minha cara. Eu tinha baixado 500 Days With Summer antes de sair de casa. Só tinha vontade de dormir e dormir e dormir. Me coloquei um dilema: ou é a depressão ou é a veadagem chegando. Ou uma depressão viada. A pele de pingado olha pra mim e alarga um sorriso enorme e lindo. Eu olho pro outro lado. Queria ficar sozinho, sozinho, sozinho, sozinho... Eu não entendo o mundo ao meu redor. Eu criava em mim mesmo a impressão de estar numa busca incessante de alguma coisa ainda indefinida. Buscava algo, algo, alguma coisa. O Pardal Vermelho, igual Nick Belane? Descobrir a essência do Mal, igual o demônio que narra O Castelo na Floresta? Tentava trazer de volta à vida burocrática um jovem Greenleaf, assim como tentou o Talentoso Ripley? Ou tentava entender onde foi parar a minha Matilde, como o velho que narra O Leite Derramado tentou, perscrutando suas memórias e contando a história para as enfermeiras? Eu estava dentro do novelo de lã descendo uma encosta infinita, me embolando cada vez mais nas linhas de um raciocínio lânguido e confuso, surreal e pouco ambicioso, nada perspicaz e pouco eficaz. Pedi outro drink e brindei comigo mesmo: à minha inutilidade no mundo. "Saúde", responderam os personagens da minha cabeça desvairada.

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 18/07/2010
Reeditado em 09/05/2012
Código do texto: T2385766
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