Fogo

Não nos conhecemos por acaso. Não foi algo pensado dessa maneira. Você não é do tipo que eu repararia andando na rua, ou que chamaria minha atenção num bar. Inclusive na nossa apresentação social eu diria que você me passou quase desapercebido, até pela hierarquia imposta entre nós.

De repente, sentimos a necessidade de nos apresentar pessoalmente. Foi algo mais forte que nós, que precisava acontecer antes que o fogo nos consumisse. Mas não fomos rápidos o suficiente, o fogo se alastrou e tranformou todo seu combústivel em cinzas.

Enquanto queimávamos juntos, vi nos seus olhos uma beleza que desconhecia. Um tipo de atrativo que só pode ser visto por uma mente aberta, com um coração aberto. Não digo inocente, pois há muita malicia envolvida, mas sem preconceitos, sem cobranças e expectativas. Para conseguir enxergar essa beleza tão exótica, é preciso se entregar de corpo e alma, e estar a apenas alguns centímetros de distância.

A distancia é crucial, pois quando está distante de mim por alguns metros - e não quero nem imaginar o que os kilometros não fazem conosco - teu fogo acaba ofuscando a minha vista, não consigo acreditar nas coisas que faz.

Agora, depois de meses vivendo nas sombras das cinzas, vejo nascer uma folha de esperança, pois o solo embaixo dela ainda está fértil, e vejo nas suas atitudes, que tua beleza está mais radiante, visivel até a um metro de distância.

Mas não precisei da visão para enxergar isso. Quando dançamos, minha alma foi junto da tua, para um lugar tranquilo onde estávamos sozinhos, e abandonamos nossos corpos naquele rítmo afrodisíaco.

Foi um dos únicos momentos da minha vida, que posso ter a certeza que minha alma não estava no meu corpo. Que a superficie que eu pisava não era o chão, e que o ar que respirava - se é que eu me lembrei de respirar - era na verdade a saudade, o combústivel que dará forças para essa nova folha tentar crescer, e se tornar numa árvore, que pode viver por centenas de anos.