Para todo sempre. Será?

Centelhas ofuscantes salpicam a visão quando nos deparamos com o tão aclamado objeto de desejo do momento. Tomados pelo súbito frenesi que aplaca qualquer resistência, nós nos entregamos facilmente ao que nos seduz sem muito esforço. E por alguns instantes que nos parecem infindáveis, nos esquecemos de que a perenidade não é algo existente em nosso mundo.

Saciada a vontade, o aperto no peito é tudo o que nos resta. As sobras do objeto almejado passam a ocupar uma ínfima porção do imenso buraco negro que adquirimos ao nascer. Não é defeito de fábrica. É simplesmente uma prerrogativa do ser - humano comum. Dessa forma, somos obrigados a comprimir o restante do espaço para que o vazio fique um pouco suportável até que outro desejo o preencha.

Assim, nos lembramos de que somos suscetíveis ao tempo, e ao vento que leva nossas lembranças em meio às folhas secas que o outono coleciona. Nossas roupas que já não nos servem ou agradam, nossas rugas, tão malditas e renegadas, nosso passado, visto como o vilão que ofusca o presente e afasta o futuro.

Devemos, então, reconhecer a impermanência de todo e qualquer desejo que nos aflige? Reconhecer a volatilidade de nosso universo tão delicado? O cenário do dia-a-dia que teimamos em construir, na estúpida tentativa de controlar o incontrolável, é mesmo de papelão? Na dúvida, vamos fechar a porta para não correr o risco de que o mesmo seja derrubado por uma ventania qualquer. O tempo leva tudo. Ou será que é o vento?

Não há certezas nem verdades imutáveis. Sabemos apenas que a morte é coisa que não se discute. J.M.Keynes, um economista britânico do século passado, já dizia que a certeza de que um dia estaremos todos mortos é a única que temos. Pode parecer óbvio para aqueles que convivem bem com este fato, mas há quem haja como se isso jamais fosse acontecer.

Perenidade. Outro dia alguém me perguntou o que tal palavra significava. Rapidamente meu cérebro produziu termos contrários. Instabilidade, mudança, impermanência, corda-bamba. Ficamos em silêncio por alguns segundos, eu e o interlocutor que só queria um sinônimo conhecido. Por fim, respondi-lhe apenas que perenidade significava continuidade. Mas na intimidade de meus pensamentos, fiquei maquinando o porquê dos antônimos.

Porque insistir no que não pode ser controlado, subjugado às rédeas do que acreditamos ser o correto. Correto para quem? Desde quando sabemos o que é bom para nós mesmos? Nós nunca sabemos e é por isso que desejamos tanto e a todo o momento. Esse é o dilema de tudo o que nos corrompe. Desejar o que não temos, desejar não ter o que temos, desejar o outro, querer o que é do outro.

À nossa volta o Todo está mudando de forma perpétua. E é só o que podemos dizer sobre a perenidade que conhecemos: A perpetuidade da mudança. Nossos filhos nos ensinam que as coisas evoluem e o espelho nos mostra a realidade de nós mesmos. É como o poema de Cecília que nos fala do retrato amargo de quem se enxerga depois de muito viver. Nós não temos o mesmo rosto de ontem, não tínhamos os olhos de hoje e não somos os mesmos há muito tempo. Por fim, só nos resta seguir a música e acreditar que somos o que podemos ser e que nossos sonhos são o que podemos ter.

H. Gessinger, um Engenheiro de outro mundo, nos contou que as nuvens não são feitas de algodão. Contudo, eu já sabia que os ventos erram a direção com uma freqüência que nos obriga a recomeçar. Espalham pedaços de nós por todo o caminho percorrido até então.

A filosofia oriental nos oferece a prática do desprendimento. Soltar-se das amarras que nos arrocham o coração é algo incrivelmente assustador, pois pressupõe a transformação mais profunda que podemos empreender em nossa alma. Heráclito já dizia que não nos banhamos duas vezes no mesmo rio, porque da segunda vez, o rio já não é mais o mesmo e nós também não somos.

Somos muitos em um só. Ato e potência. O criador de inúmeras criaturas inventadas a cada mudança, a cada nova fase de nossa vida falsamente interpretada como eterna. A cada esquina dobrada um novo sopro de vida. A cada decisão tomada a incerteza do resultado. Não haveria emoção no planejamento milimétrico de cada passo. Não haveria excitação no movimento premeditado que não nos surpreende nem arrebata.

Trace o caminho diário sem régua ou compasso. Faça riscos tortos e acredite que somos aquilo que podemos ser, no momento que podemos ter e do jeito que conseguimos.

Simplesmente aceite.

Lorena de Macedo

Lorena de Macedo
Enviado por Lorena de Macedo em 08/05/2010
Reeditado em 25/07/2011
Código do texto: T2244547
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