O Pastor no Táxi
"Frase de ensinamento
Que ninguém deve esquecer
Repetição é um tormento,
Pra que o outro aborrecer?"
Hull de La Fuente
Foi um dia exaustivo, acordei antes das cinco da manhã, peguei quatro vôos com os atrasos de praxe, três táxis e "morguei" em aeroportos por um tempão, apenas para participar de pouco mais de duas horas de reunião. Quando desembarquei em Brasília, por volta da meia noite, ainda me esperavam trinta minutos de táxi. Aboletei-me no banco da frente, porque gosto de ir acompanhando o trajeto, vendo o trânsito e, claro, conversando com o motorista, saber se choveu, se fez calor ou se algum novo escândalo surgiu em nosso cenário político enquanto estive fora.
Conversamos um pouco sobre o risco de trabalhar nesse horário. Ele disse que é bom. Por causa da lei seca, sempre tem movimento. Principalmente à saída dos bares e boates. Contei-lhe uma divertida história ocorrida com um primo meu que inventou de ser taxista no Rio mas não conhecia os caminhos direito. Ele emendou a conversa falando dos lugares onde trabalhara antes de ser taxista e, de repente, eu pude perceber que não era mais um diálogo. Nada do que eu dizia ou perguntava mudava o discurso, certamente ensaiado, sobre qualidade de vida, alimentação saudável e, num desvio estranho e inexplicável, saúde da alma. Com voz inflamada de pastor, começou a falar da importância de se evitar o pecado para eliminar as doenças do corpo e do espírito. Insistia, se repetia no raciocínio cíclico de quem nem compreende muito bem tudo o que está dizendo, tudo o que está decorado. Quando já chegávamos à minha casa, talvez, apenas porque precisasse me ouvir para obter mais alguns detalhes do endereço, ele finalmente saiu do transe. Percebendo meu fastio, começou a se justificar, dizendo que quando queremos educar uma criança, precisamos repetir muitas vezes a lição e que assim também precisava agir o evangelizador.
Estava cansada e perto demais de meu destino para iniciar uma discussão sobre o assunto.
Continuei interpretando meu papel de túnel de vento intracraniano, deixando ele gastar toda a sua verborragia sobre Deus e céu e inferno. Quando ele disse que não votaria na Dilma por ela ser mulher e, conseqüentemente, incompetente para conduzir o país, e não por todos os outros motivos já públicos e notórios associados ao péssimo governo do Lula desaconselhando uma possível manutenção dessa linha partidária, ainda pensei em reagir, mas achei que para tentar enfiar alguma coisa na cabeça daquele boçal precisaria de um machado. Tinha a impressão-quase-certeza de que ele entrava nesse processo de falar-falar-falar-falar-e-falar, justamente para não ouvir, por não ter a menor confiança em seu discurso.
Chego em casa aliviada por poder gozar, finalmente, de algum sábio silêncio. Cogito redigir uma queixa formal contra ele na cooperativa de táxi, nossa conveniada, mas sei que no comodismo de meus dias, não vou tomar essa iniciativa. Não tenho nada contra conversar sobre religião. Creio em Deus, tive uma criação católica e procuro praticar o bem. Mas o que esses caras fazem não é evangelização. É tortura. E, sinceramente, não produz fruto algum. De toda a ladainha disparada nesse falatório sem sentido, devo ter guardado umas duas ou três palavras. Justamente aquelas mais contrárias às minhas crenças.
E a maior delas foi justamente a explicação que ele deu para seu comportamento. Não sou educadora, também não tenho filhos. Mas, nem às minhas cadelas, ensino repetindo exaustivamente meus comandos. Procuro conhecê-las e entendê-las, pois para cada uma, o método irá variar um pouco. Para cada momento delas, terei que ser mais suave ou mais enérgica.
Educar, evangelizar, convencer é um processo que exige interação, compreensão do indivíduo e, principalmente e acima de tudo, respeito. Ou é melhor se limitar a evangelizar ovelhas...
Imagem daqui.