O Tempo

Ele se vai. E a gente esquece que não volta. E quando volta, pelas lembranças, a gente esquece-se dos momentos felizes. Isso não é mesmo o certo. Todos dizem. Só que não mandamos nos sentimentos. E nas palavras que povoam o nosso pensamento todos os dias, quer claros, escuros, com nuvens agourentas ou o sol esplendoroso. Esse tempo físico é diferente do casual e sintomático em nossos meandros diferenciados da personalidade assumida, às vezes escondida. De sua real performance e aproveitamento. Somos assim, meios obscuros como ele. Que diz vir de um jeito e chega, sorrateiro, de outro. Esse tempo que nos consome para todos os meandros da vida e de nossa personalidade. De todo o conteúdo de nosso universo, compartilhado ou não com aqueles que nos rodeiam, que nos comprazem, nos tiram do sério, nos arremetem aos maus e nos tira a tranqüilidade. Falar e pensar no tempo é o mesmo que vislumbrar toda a possibilidade de ter tudo e não conseguir nada. Almejar em pouco de ele conseguir todas as concretizações de nossos sonhos, até os que já consideramos impossíveis. Por exemplo, aquela linda que acabou de passar por nós, um marido consciente e portador de todos os atributos do galã preferido. E sempre com todo o tempo disponível para nos fazer felizes. Isso é realmente um grande engodo, uma grande e farta presunção que podemos ser mais fieis do que ele enquanto passa por nós e sequer nos diz bom dia. Esse é o tempo. Pode variar de tudo em que é formado. De ventos, de aflição, de doação, de um desencanto de condução.

Não se pode afirmar que possamos conseguir ter o tempo à nossa disposição. Mas às vezes ele está assim, sem passar rápido e outros que não vimos porque não conseguimos alcançar o objetivo em poucos instantes que foram a sua real possibilidade de mantê-lo no espaço e na quantidade necessária para terminar os planos, as tarefas, as possibilidades de se conseguir terminar o que pretendíamos. E isso é feito de uma maneira que não conseguimos avaliar. E não queremos mesmo saber. Se ele se foi, avaliamos que durante esse espaço foi bom, de uma boa companhia, de uma tarde com bons assuntos e as atribuições cumpridas corretamente. E se ele se foi, sendo totalmente ao contrário, não vai fazer muita diferença também. Ele simplesmente é, não acontece. Ele espera que aconteçam por ele. Não interfere em nós. Nós é que temos essa pretensão de querer controlar. As rugas, as vontades, os anseios de tê-lo como aliado. Ele simplesmente dispensa essa nossa vontade. Aliás, sequer rumina saber que temos a ele como acompanhante. Não nos servimos dele. Não permite a nenhum ser. Ele não é forma, se serve de outras para afirmar que existe. É uma nuvem passageira em nossos sentimentos. É um formato difícil de comprovar e aparecer. Mas é bastante voluntarioso em afirmar. Não sou seu. Não sou de ninguém. Simplesmente não existo.

Sou o tempo de fazer, de realizar e de me afirmar. Sou menos do que isso quando aprenderem que sou justo. Eu não existo, portanto, não se preocupem comigo. Serão mais felizes quando compreenderem que as tarefas dessa vida, a principal, é não se importar comigo. Eu sou o que sou. Nada. E se nada para todos representar o que sou, serei feliz. Durante o tempo que não existe. Entenderam. Sou o tempo.

Mas a teimosia, durante certo tempo é nosso fator principal de convivência. Portanto, aqui vou eu, para esclarecer e justificar. Se quer se dar ao tempo de vivenciar tudo ao mesmo tempo, venha comigo. Eu sei o que sou e não sei o que você é. Portanto, de novo vou explicitar corretamente. Sabe, vou contar um fato. Espero que tenha um tempo para ouvir ou ler. Se escutou algo em seu ouvido fui eu. O tempo e o vento. Ele é meu amigo, sim, outro invisível e que não existe também. Somos assim, iguais e mesmo formato. Perceba. O vento, esse meu amigo informal e diário, não existe. Ele se apressa somente quando correntes de ar, esse sim, facilitado o seu contorno e correspondendo corretamente na sua ânsia de aparecer, sabe, um astro, como todos vocês aliás, bem, voltemos, o meu amigo invisível, o vento, sabe como é, sempre se sobressai quando o ar não sabe mesmo muito bem para onde deve ou quer ir. Ele tem vontades, mas o meu amigo, o vento, sabe como é, aparece nesses instantes. E me chama, ora como não, afinal diz que sou o seu amigo eterno. E por um bom tempo, hehehe, viu, existo, fica assim, assoprando de um lado para o outro, levantando os vestidos das meninas para gáudio dos espertos, fazendo a árvore chacoalhar e dispensar as suas folhas fracas, a balançar todos os elementos que estão perto para longe, e os que estão longe para perto. Até carta de amor, com o coitado do carteiro correndo atrás. Se é da casa cinco, deve ser entregue lá. Já imaginou a amante recebendo carta dele e o marido perguntando quem é aquele cara. Afinal, se trocou de casa é porque todo mundo está sabendo, menos eu. E quanto tempo, olha eu ai de novo, não existo mas apareço, você mantém um romance com esse cara. Esse cara quem, só se for no seu tempo de bebedeiras e jogos de futebol. Estão vendo, para quem não existe, já expliquei, não preciso repetir, até que sou bastante atuante. Mas ele para, o meu amigo vento e pronto, sumo também. Entendeu, expliquei direitinho. Não entendeu, mesmo. Não acredito. Quer saber. Dá um tempo.

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Premiada em terceiro lugar em concurso.

Cilas Medi
Enviado por Cilas Medi em 29/03/2010
Reeditado em 05/07/2010
Código do texto: T2165571
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