Ponto de vista

Fumava e olhava pela janela. Aliás, uma das muitas janelas de uma casa de muitas cores e muitas janelas e muitas luzes. A fumaça enegrecia mais ainda o céu e parecia tocá-lo com dedos finos e insistentes.

Esta cena, eu observava da calçada. Sentado junto ao meio fio, despercebido, respirando ares de noite iniciada e quente. Eu olhava para ela, porém, minha presença, ali no chão da rua, estava distante do céu que recebia seu olhar perdido. Os restos do esmalte, caíam das unhas que ela roia, sem saber e sem sentir. E ficavam ali brilhantes, na bancada da varanda.

Nem mesmo um gato, branco, brilhante e barulhento que passeava sobre as lajes a chamou a atenção. Eu observava imóvel da rua, sua imobilidade na janela. Eram estrelas que ela contava. Saiu por um instante e retornou com uma xícara de café. Bebia do céu e do café com os mesmos olhos pasmados.

Ela falava em estrelas, agora, falava alto, cantarolava, dava nomes a cada uma delas e acenou para mim, para que eu também visse através da sua luneta, da sua perspectiva clara e esfacelada. Eu, mesmo não via nada. Quer dizer, via o terceiro ou quarto cigarro acabado, as cinzas caídas junto aos restos de unha e de esmalte, os risos sem sentido, a cara séria após cada um deles. Nada mais.

Quer saber, deve ser apenas a frustração de alguém que sonhou em ser astronauta, ou idiotices de alguém que espera descer da lua, outro alguém com uma grande lança ensaguentada após ter matado um grande dragão. Alguém que não se achou no chão e por isso procura para ver se não se encontra no céu. Ao inferno tamanho descabido!

Levantei-me e saí de vagar, chutando as pedras soltas, caminhando de encontro ao meu próprio ritmo, minha realidade bem definida. Até que mordido pelo bicho insistente da curiosidade, subi a rua que passava atrás da casa onde ela morava, para ver o que havia de especial nas estrelas contadas e cantadas com tanto entusiasmo e interesse.

Assim, chegando minha curiosidade deu de imediato lugar ao riso e à indignação. Somente luzes acessas de um prédio que ficava a uns três quarteirões dali. Luzes elétricas, distantes do céu oblíquo e apagado. Eu já sabia, nem precisava ter conferido. Maldito Dom Quixote! Eram apenas moinhos de vento.