Minha Casa

Corria o ano de 1941. Eu, então com sete anos, morava num casarão quadrado, na Rua Carlos de Campos 327. Uma verdadeira chácara. O dono da casa era um senhor português chamado Tomas. Ele era muito caprichoso com as suas plantas e frutas e ao alugar a casa ao meu pai disse:

“Eu recebi várias propostas, mas preferi a do Senhor, Seo Rossi, por que sei que a sua família irá cuidar muito bem de tudo o que eu plantei. Eu só estou me mudando por que fiquei viúvo há dois meses e a minha filha quer que eu vá morar com ela, devido a minha idade de 70 anos”.

Tentarei descrever o quintal daquela casa. Tínhamos, há uns cinco metros da porta da cozinha, um pé de coloral e um pé de pêra portuguesa. Várias parreiras de uvas, dos tipos branca, rosada e preta.

Tinha uma fileira de laranjeiras; lima da pérsia, laranja pêra, mangaratiba, lima, laranja cravo, mexerica, laranja baiana. Do outro lado vinham os pés de manga: Mangas bourbom, rosa, espada, coquinho, pele de moça, e coração de boi. Tinha também três pés de jaboticaba, três pés de pêssego, três pés de mamão, um pé de abacate, um pé de tamarindo, este ainda bem novo. As demais frutas todas produzindo, e ainda várias bananeiras, um pé de romã, dois pés de goiaba (branca e vermelha), e dois pés de limão (galego e siciliano), dois pés de figo (roxo e verde), além de um espaço muito grande para a plantação de verduras.

O meu pai prometeu ao senhor Tomas que cuidaria de tudo, como se fosse dele próprio.

E lá ficamos vários anos, sempre cuidando do tesouro que encontráramos naquela casa. Todas as semanas eu e meu pai íamos à casa do senhor Tomas para levar uma cesta de frutas. Ele apenas disse ao meu pai que em agosto gostaria de poder podar as parreiras. O meu pai não só permitiu, como o convidou para que na hora que ele desejasse fosse colher frutas ou dar instruções de como melhor trata-las.

Nessa casa tinha um enorme fogão a lenha onde minha mãe assava pães, sempre que o senhor Dino Bonturi conseguia para o meu pai um pouco de farinha. Ele era o comerciante próximo e estávamos na época da segunda grande guerra e, portanto, havia racionamento de gêneros.

Naquela casa também criávamos galinhas e patos. Tínhamos ovos em fartura, com umas dez galinhas botando. O senhor Tomas sempre recebia dúzias de ovos para as suas gemadas com vinho do Porto.

Um dia, depois de ficarmos vários anos lá morando, o senhor Tomas disse ao meu pai que recebera várias propostas para vender a casa, mas que o meu pai estava em primeiro lugar para, se quisesse ou pudesse, adquiri-la. O senhor Tomas ainda disse ao meu pai:

“Se o Senhor, Seo Rossi, não puder comprá-la eu aguardo até o dia em que o senhor tenha arrumado uma nova casa para morar. Eu só vou vender esta casa por que pretendo ir para a minha terra, Coimbra, e não sei se vou voltar”.

O senhor Tomas abraçou o meu pai e disse, por fim: “Obrigado por tudo o que o senhor fez por esta casa, que era o meu tesouro. Um pedaço do meu coração está aqui”.

Para mim, já com 10 anos, foi um duro choque. Mas não havia outro jeito. Ali, naquela casa, ficava um pedaço bonito da minha infância.

Quando o caminhão chegou para levar a nossa mudança eu percorri todos os cômodos, já vazios, e confesso que chorei.

Mas eram lágrimas de gratidão pelos momentos maravilhosos que ali passei.

Laércio
Enviado por Laércio em 14/02/2010
Reeditado em 14/02/2010
Código do texto: T2086794