SONINHA (EC)

Será necessário um habeas corpus para libertar-me de Soninha?

Nosso relacionamento está se tornando insuportável.

Quero minha vontade... Meu livre arbítrio de volta.

Ela está quase toda minha vida ao meu lado... Praticamente domina minha alma...

Convivemos desde a madrugada em que nasci e faz-me purgar num inferno quase toda santa noite.

Deve ser praga da parteira.

Minha mãe dizia que trocava a noite pelo dia.

Lógico que é culpa de Soninha ter me tornado notívago.

Até quando dormia andava pela casa... Essas manias de sonâmbulo.

Piorei quando me descobri nefelibata.

Às duas psicoses aliou-se minha atração por vampiros e ficava desperto à espera.

Uma coisa levou à outra.

De candidato a lobisomem a guarda-noturno e posteriormente porteiro de boate foi um pulo.

Cheguei a ganhar adicional-noturno, sem perceber como Soninha invadia minha vida.

Houve bons tempos, não negarei.

O saudoso e apaixonante tempo de leituras. Em épocas mais seguras e com céu límpido observei estrelas na praça e fiz poesias em guardanapos de bares. Em algumas das noitadas comecei escrever minhas memórias, mas atualmente só me vem a lembrança de Soninha. Acho que gastei toda minha criatividade.

No princípio ela parecia a Cinderela chegando numa carruagem.

Hoje, quando parte, eu é que fico com cara de abóbora amassada...

Sonolento... Irritado...

Agora deu para implicar com meus carneirinhos. Faz-me errar a contagem.

Vem com aquela conversa mole e chorosa que não gosto mais dela.

E não gosto mesmo.

A programação da TV está muito chata. A geladeira vazia. O jornal é de ontem.

Numa de nossas crises perdi a paciência e tomei “tarja preta”.

Ela me abandonou...

Curto período de separação...

Entre a ressaca medicamentosa e a alcoólica, rendi-me e deixei que ela voltasse.

Soninha e vinho devem ser vícios.

No fundo, prefiro-a a “dormir com as galinhas”.

Prevejo o dia em que reivindicará união estável e direito a testamento e herança.

Se eu conseguir me separar dela vai querer pensão?

Essa é uma dura decisão.

Alem do mais, ex-companheira é um perigo.

No mínimo, espalhará para o mundo todos meus não muito sagrados segredos secretos só imagináveis, executáveis e praticáveis na presença dela.

Ai, Soninha! Por hoje chega!

O dia está raiando. Preciso ir.

Só uma perguntinha... Curiosidade...

Por onde você anda durante o dia?

Nunca me responde...

Será que tem algum companheiro no Japão?

Não é ciúme, não!

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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Habeas Corpus / Insonia

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Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 08/02/2010
Reeditado em 25/08/2010
Código do texto: T2075571
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