BATENDO NAS TRAVAS

BATENDO NAS TRAVAS

Atualmente batendo nas travas dos meus setenta anos, percebi algo que jamais tive tempo pra refletir. A felicidade de um menino que habita minha imaginação. Como num filme ininterrupto que desordenadamente apresenta as mais variadas imagens, igual ao sonho projetado após um instigante dia de trabalho, quando somos abatidos pelo cansaço e vagamos sem rumo indo e voltando por locais incertos caindo na mesma trilha.

Passei a vida tão envolvida com o trabalho que si quer houve tempo de refletir. Não me arrependo é claro, mas este saudosismo da infância vive me cobrando algo. Vez por outro em devaneio sinto-me revivendo momentos tão reais que às vezes chego a ficar encabulado, pensando estar perdendo o tino. Vez por outra sinto perfumes e sabores do passado.

Caminhando hoje antes do nascer do sol, no perímetro urbano, de minha terra. Um delicioso cheiro de comida sendo preparada, coisa muito comum na rotina do dia a dia, uma vez que são inúmeros os trabalhadores que são mobilizados para o trabalho levando sua marmita, preparada no raiar da aurora, denunciando variados sabores e a eficiência de nossas conterrâneas que por sinal são excelentes cozinheiras. Pois bem voltando ao que me despertou. O cheiro delicioso vindo de uma cozinha me colocou de volta ao passado, naquele corre e corre de minha mãe, preparando aquelas enormes panelas tentando de toda forma evitar que o almoço saísse atrasado. Nove horas da manhã teria eu que chegar à lavoura conduzindo na cabeça, aquela enorme gamela. A cabeça quase pegando fogo ardendo com a quentura da comida apesar de uma rodilha de pano muito bem preparada, mas caminhar com aquela carga por dois quilômetros ou mais não era tarefa tão fácil. Se por ventura houvesse um pequeno atraso, os trabalhadores famintos não redavam os olhos da estrada que me conduzia até o local. Lembro-me de um muito brincalhão que vivia me dizendo que eu deveria trocar a montaria em vez de montar num bicho preguiça eu deveria ir a cavalo, eu sempre repudiava você está enganado estou montado é uma tartaruga soltei a preguiça na invernada para descalçá-lo.

Anos mais tarde essa tarefa passou aos irmãos mais novos. Eu então passei a fazer parte da turma que deitava os olhos na estrada a espera daquela deliciosa comida que nos dava ânimo e força para lavrar a terra na dura realidade do roceiro. Uma luta digna e honrada em defesa do pão nosso de cada dia.

Isso é uma pagina que possa ter se virado, mas jamais será esquecida.

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 20/01/2010
Código do texto: T2040539
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.