A alegria e a dor alheia

Eu passei o final do ano, como sempre, do jeito mais simples possível.Confesso que não sou muito chegado a festa, não gosto de comemorações ou coisa desse tipo.Fiquei em casa. Tomei um copo de refrigerante com um pedaço de bolo, uma taça de sorvete. Ouvi algumas canções do Nat king Cole. Ah, inesquecível.E antes da meia noite, fui para cama.No radinho portátil, assisti a uma cerimônia religiosa.Adormeci.Na manhã seguinte, fiquei sabendo da tragédia que se abateu sobre o Rio de Janeiro;Justamente onde se realiza o maior revellon do país.Muito triste. Porém, os jornais televisivos não deixaram de destacar as imagens alucinantes da famosa praia de Copacabana. As explosões dos fogos. Um espetáculo. As pessoas se abraçavam, trocavam beijos e desejo de felicidade. Bebiam champanhe.Eram risos,brincadeiras, danças. Enfim, uma festa.O locutor, mudando o semblante, voltava a falar do ocorrido nefasto.Novamente a dor.Rostos cheios de vida apareciam na tela. Não estavam mais entre nós.Eu me perguntava como este país consegue estabelecer essa estranha convivência.Lado a lado: a alegria e a dor. O que seria isso? Uma capacidade única para superar os tormentos da condição humana? Ou um egoísmo histórico? Sim, porque é bem provável que em uma nação com um razoável nível de civilidade,essa festa seria cancelada.Não haveria condições de ignorar uma tristeza dessa proporção.Não importava o prejuízo material.A frustração dos vendedores de bebidas. E os casais que não concluiriam sua noitada de amor.Cancelaria.Nada de festa.Talvez esse meu radicalismo deva-se ao fato de eu não gostar de festa; de preferir estar em casa quando a maioria das pessoas está nos lugares mais diversos, e supostamente, mais divertidos.No entanto, ainda insisto que esse comportamento, um tanto exótico e bizarro é puro egoísmo. O nosso dia a dia comprova esse meu ponto de vista. A riqueza e a miséria. Lado a lado. Da mesma forma que se compra as coisas matérias, incluem-se , garrafa de uísque, queijo importado, como também os políticos, de Brasília e de outras paragens. E é um grande número de pessoas que alcança esse tipo de alegria, sem se dar a mínima importância para aqueles que estão em uma situação diferente da sua. A dor, apesar de atrair as atenções de um público que possui um interesse sórdido pelas aflições dos outros,e que não se consegue imaginar-se no lugar de quem estar vivenciando-a, é uma realidade que pode estar presente nas nossas pobres vidas .É , esta é a nação dos contrastes violentos.Um lugar onde a alegria e a dor convivem em uma harmonia absurda. Harmonia absurda que parece criada por algum general latino americano , que em um dos seus delírios de grandeza, chega a incorporar a loucura de um deus pagão.A festa passou. A dor, não!.Eu penso que mesmo com esse festival primitivo- o Brasil com os seus circos grotescos- ainda assim sentimos dores.Uma dor necessária.A dor que engrandece o espírito, e quem sabe não consiga, até em um futuro breve,nos tornar mais humanos!

Soleno Rodrigues
Enviado por Soleno Rodrigues em 03/01/2010
Reeditado em 11/10/2017
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