Um Natal de 75 Anos

O Natal deste ano chega e me encontra com 75 anos, já completos. Nada melhor do que recordar o meu primeiro Natal (daquele que trago minhas primeiras lembranças).

Era 1939 e eu morava com os meus pais num casarão quadrado, na minha querida Carlos de Campos.

Os meus pedidos ao papai Noel eram tantos que eu não os recordo.

Na véspera de Natal eu coloquei embaixo da cama um punhado de grama, como todas as crianças da época faziam.

Ao acordar no dia de Natal e passar a mão onde eu havia posto o capim, eu encontrei uma bola vermelha e verde de bom tamanho. Ai eu a agarrei e fui até o janelão quadrado que dava para a rua e vi que chovia muito. E fiquei segurando a minha bola tão apertado que o seu cheiro de tinta ficou por muitos anos me acompanhando, principalmente nos dias de Natal. Ainda que tenham se passados tantos anos, eu ainda sinto o perfume do verniz da minha bola.

Quem disser que saudade não tem cheiro não teve uma bola vermelha que a metade era verde, como eu tive.

E os dias de Natal de todos os anos foram voltando à minha mente. E eu sempre tive algo do que me lembrar desses dias.

Certa noite, véspera de Natal, eu já tinha 19 anos, meus colegas de passeio me convidaram para assistir à segunda sessão no Cine Voga. E depois fomos ao Bar Rosário, no largo de mesmo nome, em Campinas. Como havia chovido muito naquela noite, conseguimos uma mesa que ficava perto da porta.

Enquanto esperávamos nossa pizza ficamos comentando sobre o filme que havíamos assistido “Como Era Verde o Meu Vale”, com Walter Pidgeon, Maureen O´Hara e grande elenco (vencedor de 4 oscars, na época).

Veio a pizza e como pouco bebíamos, pedimos uma garrafa de vinho Folha de Figo, nacional muito bom. À mesa estavam eu, o Toninho, o Nélson, seu irmão João e o Antonio Moreno.

Quando começamos a comer vi que apareceu um senhor, já velho, com roupas limpas, que já as tinha tido novas ou de outra pessoa, e que nos observava à distância.

Os outros não o notaram, mas eu que estava de frente para a porta vi os seus olhos na nossa comida. Levantei da mesa, e pedi ao Alemão, o garçom do Rosário, que me arrumasse um prato com um bom pedaço de pizza que eles tinham na vitrine.

Peguei o meu copo de vinho e o prato e fui até aquele senhor, na porta e lhe ofereci.

Ele me olhou e disse:

“Moço, Deus lhe pague. O maior tesouro do mundo é ter uma família e conserva-la. Coisa que eu não consegui fazer”.

Nos abraçamos com lágrimas nos olhos.

Ao voltar à mesa, tendo visto o meu gesto, todos os meus colegas me abraçaram comovidos. Isto é a força do Natal.

Eu tenho observado que o clima de Natal contagia a todos, e eu tenho um pouco de experiência no que é o Natal. São 75 deles passados aqui. Vi muitas coisas. Participei de outras e acredito que um dia este velho coração sagitariano irá parar e eu não terei feito tudo o que poderia ter feito por aqui.

Laércio
Enviado por Laércio em 25/12/2009
Código do texto: T1995103