Satisfação garantida ou sua vida de volta

O namoro é a fase da contemplação, do idealizar e dos planos para uma vida próspera e feliz. Nessa fase, escolhe-se o príncipe e, mesmo que os sapatinhos estejam apertados, projeta-se sempre um "happy end".

Quase via de regra, ao contar dos dias de convivência oscilante entre o limite da felicidade e as desventuras em série - o que para alguns acontece mais cedo;para outros, bem mais tarde -, acorda-se, determinada manhã, e tem-se a certeza de que o príncipe transformou-se no cavalo ou, pior, no sapo assombroso daquele acampamento juvenil de final de semana. Cômico se não fosse trágico e não fizesse ruir tantas vidas.

Não bastasse os tão já descritos fatos sobre a tábua do banheiro erguida e respingada, a toalha molhada por sobre a cama ou largada no chão do quarto, o controle remoto da tv nas mãos nervosas de alguém que só consegue acalmar diante de um entediante jogo de futebol e o pouco ou quase inexistente diálogo, hábitos estranhos - e nem tão divulgados - , como as constantes ausências de banho ou a coceira distraída e despretenciosa no saco, entram em cena e não estavam no script original.

Ainda assim, o conjunto de antigos e discutidos hábitos, alheios aos projetos e sonhos da fase pré nupcial e que punham à prova as regras de convivência básica de nossos pais e avós, não mais representa a parte maior da poção mágica que transforma príncipes em cavalos ou sapos.

A fração maior fica por conta de fatores modernos como a arbitrariedade da supremacia de uma das partes, o jogo de conveniências, dinheiro e poder,a facilidade e rapidez com que pessoas são descartadas, a falta de paciência e doação, o uso frio, descabido e violento das palavras e a mágoa, que se alimenta dos dejetos das discussões, apagando a esperança e a confiança depositadas na relação.

A verdade é que estamos mais frágeis; encontramo-nos quase despreparados para lidar com o desconhecido consequente das circunstâncias estressantes do cotidiano matrimonial e da busca sem controle pelo prazer e satisfação pessoais imediatos. Pudera, fomos criados e orientados para mudanças quase estáveis, num mundo que deixou de existir, e hoje o que enfrentamos é uma avalanche de alterações, frutos da liquidez da modernidade que com sua rapidez, truculência e austeridade atropelou valores, hábitos, sonhos e a consciência de alteridade que tínhamos.

Por isso, é necessário que façamos uma reflexão pessoal acerca dos limites individuais e incansáveis exercícios de empatia -para que possamos minimizar a tendência de impessoalidade, dominância e conveniência nos relacionamentos que tornam descartável uma das partes e ameaçam a sobrevivência do núcleo familiar - sob a pena de constatarmos nos autos de um acordo matrimonial, a lei protecionista - hoje regulamentadora do marketing de consumo - "satisfação garantida ou sua vida de volta".

Sol Galeano
Enviado por Sol Galeano em 30/11/2009
Reeditado em 15/10/2013
Código do texto: T1952927
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