Da Saudade - Teixeira de Pascoaes

Têm coisas que nunca pensamos ter saudades. Sempre ri muito disso, porque meu medo maior sempre foi ter saudades do tempo que se ia passando.

Mas, estou com saudades. Sim! Saudades de algumas coisas que para um e para outro são coisas sem valores, todavia tão importantes. Verdade, saudades é algo muito particular, e com certeza absoluta, saudades não mata.

Ando com saudades de abraçar meus filhos, sei bem que isso é uma saudades permanente, entretanto, hoje está mais forte.

Saudades de andar nas ruas da melhor capital do mundo, Porto Alegre.

Ah....são tantas as saudades que tenho, que se for nomear cada uma delas não vou parar de escrever. Mas, a saudade que mais dói é mesmo do tempo que não volta mais. E, se alguém me perguntar do que exatamente estou falando, do que tenho saudades, não saberia dizer, é um tudo, um nada.

Não sei se consigo expressar o que sinto, só sei que é muito grande, tão grande que me dá vontade de sair voando, sobrevoando todos os lugares, passar por todas as pessoas, ver o que cada uma está fazendo das suas vidas, parar um pouco e sentar para conversar naquele banquinho colocado, no final da tarde, na calçada.

Ver o meu pai chegando do serviço é outra saudade que tenho, bem como ver minha mãe fazendo aqueles doces de pudim que a royal tinha, nem sei se tem mais, claro, nas horas que ela tinha tempo.

Só que é assim, não quero voltar no tempo, muito menos nele ficar, é uma saudade, entende?

Saudade é algo que não podemos voltar, porque se voltarmos perde o encanto, é igual a Peter Pan, se crescer perde a graça, e até imagino que o tempo aqui seja o Capitão Gancho.

Um dia li sobre a saudade, como se saudade fosse algo a se escrever, mas o texto era magnífico porque falava da saudade de Teixeira de Pascoaes, grande escritor português, nasceu em Amarante em 1877 e faleceu em 1952. Fez parte do movimento da Renascença Portuguesa e tornou-se um notável poeta do saudosismo e tão bem retratou a saudade em seu Livro de Memórias, escrito em 1928.

Teixeira de Pascoaes reproduziu diante da experiência da saudade uma reflexão sobre ela mesmo, do ter ao Ser. Essa experiência da dor pelo homem possuidor da saudade, tanto universal como individual, fazia dessa dor saudosa uma ferramenta de percepção na qual o mundo é entendido como uma eterna recordação e tudo isso transportado de uma realidade para outra muito mais real que aquela.

Pascoaes buscava o renascer pelo espiritual e afirmava que deveríamos nos libertar do complexo de inferioridade, esse foi o grande “golpe” de Pascoaes: SER e não TER (estamos falando de um contexto cultural, histórico, português).

A saudade de Pascoaes não é diferente da minha, da tua, criando uma forma para esta saudade seria um triangulo, no topo teríamos a saudade, do lado esquerdo o material como lembrança do passado, do lado direito a saudade como idealização do espiritual, do desejo, da esperança no futuro. E nessa arquitetura de Pascoaes, se tenho saudades, tenho uma fusão entre o passado e o futuro, com uma equivalência entre o passado e o futuro, na essência.

Na página 127 no seu Livro de Memórias, Teixeira de Pascoaes diz assim: “ Doía-me a alma, ao contemplar a casa abandonada. As ervas cresciam nas escadas e nos pátios; e aquele silêncio escuro do Marão apegara-se –lhe às paredes e às árvores dos arredores, onde os pássaros se escondiam, emudecidos, e tinham nas asas não sei que modo triste de voar". Para na página 135 nos dizer: “ Mas eu vinha de Coimbra, formado em Direito. Eu era o Dr. Joaquim, na boca de toda a gente. Precisava de honrar o título. Entre o poeta natural e o bacharel de Direito à força, ia começar um duelo que durou dez anos, tanto como o cerco de Tróia e a formatura de João de Deus. Vivi dez anos, num escritório, a lidar com almas deste mundo, o mais deste mundo que é possível- eu que nascera para outras convivências. Eram pequenos porprietários, negociante, animais semi-humanos que têm um pé na sociedade e uma pata na estrebaria; compónios pitorescos, cheios de manhas por dentro e bosta de boi por fora; e, às vezes, uma frase que lhes saltava dos lábios e me deixava deslumbrado. São homens-árvores, como raízes que procuram o estrume; e, de súbito, uma florzinha branca de neve ou cor de sangue irrompe-lhes da casca grossa...."

Tudo isso é verdade, a minha saudade, a tua, a de Pascoaes, a nossa saudade.

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Gislaine Becker
Enviado por Gislaine Becker em 08/09/2009
Reeditado em 08/09/2009
Código do texto: T1798605
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