Noite enlouquecedora

Já era a terceira noite consecutiva que eu dormia acompanhado. Um caso típico de “antes só do que mal acompanhado”. Malditos pernilongos! Não adiantava me cobrir, parece que a picada deles era “à prova de lençóis”. Cobrir com edredom? Quem aguenta o calor?! Um verdadeiro dilema...

Pior que as picadas e coceiras, são os zumbidos na orelha! Quantos tapas não me dei nas orelhas! Era um revezamento entre o conjunto zumbido-picada-coceira e o ardor do meu próprio tapa + frustração de não matar o sujeito incômodo. Parecem que eles fazem de propósito para nos provocar! Rir da nossa patetice!

Mais uma vez, no meio da madrugada, depois de rolar, cobrir, coçar, estapear-me, acendo a luz para tomar uma providência, já que não dormia mesmo. Diferentemente do habitual, que sinto sempre muito sono e podem tocar uma bateria que eu não acordo. Bem, com a fúria que eu estava com aquele minúsculo monstrinho, ai dele se eu o achasse...

Mas com a claridade, ele foi esperto e se escondeu em algum cantinho. Com certeza, continuou rindo da minha cara amassada mal dormida.

Tomei água e fui ver as horas. Como assim, meu relógio pirou? Parado ele não estava, mas marcava meia-noite e quinze. Fui dormir às 11h e isso já fazia “horas”! A pilha deveria estar fraca de novo, que chato! Olhei no celular e era isso mesmo: agora era meia-noite e dezesseis. Sem noção do tempo.

Nisso, vi o potinho de açúcar invadido por formigas. Formigas não, formigões! Enormes, imensos, maiores que o potinho! E não era um ou dois, mas milhares, bilhões de bichos se aproveitando da calada da noite. E isso porque eu havia colocado o potinho dentro de outro recipiente com água, justamente para evitar a infestação. Só não imaginei que formigas nadassem...

Sem pensar, joguei o potinho no chão. Bati várias vezes para aqueles malditos insetos irem embora (isso porque fui bonzinho e não os matei). Fez barulho. Ouvi vozes no vizinho. Estariam falando mal do vizinho deles? Estariam pensando que o seu vizinho enlouqueceu? Ah, mas o que eles pensam do vizinho deles é problema deles e do vizinho, não meu!

O chão da minha cozinha ficou infestado de formigas, que desesperadamente saíam correndo, pulando, saracutiando como podiam. Por sorte, não caiu açúcar no chão, ou seria a festa para elas e o meu lerê-lerê no meio da noite limpando melaço.

Quando volto para o quarto, encontro uma barata passeando livremente... Ao me ver, ela pula na cama e diz: cheguei primeiro! Para mim, não existe bicho mais nojento do que uma barata. Argh!!! No susto e no nojo, me afastei num sobressalto. Meu coração disparou. (Pensem vocês o que quiserem de mim, isso tudo é tão ridículo mesmo...) Não acreditava que a minha casa estava sendo invadida, dominada por tantos bichos asquerosos.

Ah, mas a barata não sairia impune! O problema era como eu mataria uma barata em cima da minha cama? Corri pra buscar o inseticida. Ela é esperta, sabe que não é páreo para o jato mortal. Tentou fugir, mas não escapou. Já no chão, espirrei veneno com gosto e prazer. Apreciei meus próprios requintes de crueldade. Assisti ao espetáculo da vingança até que ela virasse de pernas para o ar e ficasse imóvel. Acho que descontei nela, toda a raiva do pernilongo, das formigas... E das moscas, aranhas e lagartos dos outros dias também!

Bem, com todas essas emoções noturnas, perdi completamente o sono. Percebi que não tinha mais as picadas do pernilongo no meu corpo. Fiquei na dúvida: teria sonhado? Ou seria alguma alergia ao invés de pernilongo? Mas e os zumbidos na orelha?

Repentinamente me bateu aquela fome. Estômago roncando, cabeça meio zonza, olhos embaçados, corpo mole. Mas não tinha vontade de comer. Lembrava da barata.

Andei pela casa. Resolvi tomar leite com bolacha. Bolacha, não barata.

E o sono, neca de voltar. Fiquei inquieto. Senti que estava perdendo tempo, não poderia ficar parado, esperando um sono que não viria mesmo. Comecei então o dia mais cedo. Liguei o computador e fui trabalhar.

E rendeu! Claro, começando o trabalho à 1h da manhã... Formatei um artigo, revisei um texto, imprimi uma bibliografia, fiz pesquisas, trabalhei na minha tese.

O engraçado é que o relógio da mesa parecia estar quebrado também. Mas esse era o contrário do outro, estava acelerado, tocava o bip a cada dez minutos ao invés de hora em hora como habitual. Só que o relógio do computador confirmava a hora inteira que havia passado. Eu estava doido mesmo, completamente sem noção do tempo, de nada.

Quando vi que eram 5 horas, fui recitar meu mantra. Bem baixinho para não atrapalhar os vizinhos. Orei agradecendo por ter uma casa confortável (cheia de bichos mas confortável , vai), por poder trabalhar e orar livremente mesmo no meio da noite (apesar de ser por causa da insônia, tudo bem). Mesmo com essa balbúrdia, percebi que sou feliz.

Aos poucos, o nojo das visitas indesejáveis passou, o desperto incômodo acabou, a neura foi embora, o sono foi se aproximando, meu corpo pedindo cama. Troquei os lençóis e adormeci tranquilamente. Só não apaguei a luz, pensando no pernilongo. Que noite inesquecível...

(Catalão, 30/07/2009)

Hélio Fuchigami
Enviado por Hélio Fuchigami em 27/08/2009
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