FIM DOS TEMPOS

FIM DOS TEMPOS -14 agosto 1999.


O meu amigo é uma pessoa desse tipo que se diz “controlada”. Nunca desperdiçou um centavo em sua vida. Se havia uma excursão, só para não gastar dinheiro, levava sua garrafinha de água gelada de casa; seu frango frito; sua farofa; sua rede de dormir, etc. Enfim, era realmente muito econômico. Fumava, por esporte, da marca “se-me-dão”; bebia, também por esporte, apenas cachaça, justificando que não fazia mal. Pra mim, respeitando a sua ausência, não passava de um “mão-de-vaca”, um “muchiba”, um “pão duro”, um “unha de fome” Mas era gente boa. Não fazia mal a ninguém. E, é claro que conseguiu, ao longo da vida, à custa de muito trabalho, algumas boas economias.
Era uma pessoa prevenida e, talvez para justificar a sua “pão durice”, não pedia nada emprestado a ninguém, para que a recíproca não fosse verdadeira. Para não incomodar ninguém, já havia até adquirido um caixão e uma mortalha para o seu enterro. Paradoxalmente, morria de medo da morte – geralmente, uma marca registrada dos sovinas.
Meu amigo considerava-se uma pessoa de inteligência mediana. Vejam o que me confidenciou outro dia, me pedindo, pelo amor de Deus, que não contasse essa história pra ninguém, para não correr o risco de cair no ridículo.
Mas ora, ora, se o camarada tem um segredo, que é dele, e não consegue guardá-lo só para si, como vai querer que outra pessoa faça isso. Engraçado, né? Tenha dó! Por isso, vou contá-lo.
Com essa onda de fim dos tempos; tanta exploração do assunto; tanta veiculação na televisão, meu amigo se apavorou e resolveu desfazer-se de boa parte dos seus bens – um apartamento, um carro e uma chácara -, a fim de comprar um túmulo no cemitério principal da cidade. O mais chic. Coisa fina. Pelo menos isso! Já que o mundo ia acabar e não mais poderia usufruir dos bens terrenos, queria, pelo menos, ter uma morada decente na eternidade – pensou ele. O túmulo adquirido é o mais pomposo e mais caro, portanto, daquele cemitério da capital. (Isso aconteceu no Pará).  Fez o negócio, a peso de ouro. Escriturou, registrou em cartório e esperou o mundo acabar. Veio o dia fatídico da previsão: 14 de agosto de 1999 e nada. Como sabem, o mundo não acabou. Feliz, ou infelizmente, para ele.
Passado o não acontecimento, o meu amigo me procurou e meio chateado, meio desiludido, meio aliviado, me contou a história, pedindo irrestrito segredo. Não me contive: “ mas meu compadre, como você é burro, não!? Ele, decepcionado, quis se justificar, dizendo que o problema era só dele, e, como o mundo não acabou, também poderia ter acabado, não é verdade? “Tudo bem, tudo bem, meu amigo, mas não é a isso que me refiro, não! É à sua burrice, mesmo! Me diga então, meu compadre, se porventura o mundo tivesse realmente acabado, se todos nós tivéssemos morrido, me diga, quem é que iria te levar e te sepultar em teu magnífico túmulo? Elementar, meu caro amigo!”
Meu amigo chateou-se e nunca mais ligou pra mim. Mas já soube que está recomeçando a construir o seu patrimônio que foi dilapidado pelo fim do mundo.