Inimigo do Ótimo

Inimigo do Ótimo

Toda a vida foi assim. Apenas de uns anos para cá descobri que o sentido dessa frase - o bom é inimigo do ótimo, visa exprimir: se você acha que está bom, nunca chegará ao ótimo. Acontece que quando tomei contato com essa idéia, e pode colocar um quarto de século na conta, ficou claro para mim que o significado era: está bom? Então bola pra frente. Ou, ufa, está bom. Ótimo nunca vai ficar.

Ótimo me parecia uma baita pretensão, senão uma utopia. Também me sugeria um corredor turvo, onde o sujeito passa a eternidade recortando um molde, jamais se satisfaz, por seu turno nunca termina. O tal do perfeccionismo.

(“Deixarei meus pergaminhos, como a taça do ceramista e o mármore do escultor, pelo que eles valem. O mármore pode quebrar. A taça é um gancho atirado no poço. O papel queima e prove calor numa noite de inverno”.)

Pensando bem, minha interpretação do ditado foi um agilizador. Acontece que antes mesmo de ter ouvido falar nele, e com isso refiro-me a épocas remotas de minha vida (pode ampliar a conta), o bom já me satisfazia. Quando conheci a frase ficou melhor ainda, pois doravante ganhara um instrumental verbal para justificá-lo.

Trabalhos editoriais, publicitários, musicais, peças de comunicação, pequenas experiências com cinema, parcerias, se fosse pela cabeça dos outros, estaríamos ainda lá atrás, ruminando: não, acho que ainda não está ótimo.

Te juro que quando tem cara de bom, não penso duas vezes.

Evidente que meu parco senso crítico e uma boa dose de otimismo sempre me dirão: da próxima vez ficará melhor.

(“Eu devo ter visto muita coisa na vida. Assim, quando vierem me procurar, como fazem todos, perguntando pelos dias em que não eram nascidos, eu digo o que merece ser lembrado...”)

A patente do ótimo parece não fazer parte do meu conjunto de habilidades. Creio não se tratar de uma questão de esforço. Até que você é esforçado, me disseram, vezes sem conta. Quem pode afirmar?

Sei que me abstenho de entrar naquele corredor sinuoso e ficar martelando o que quer seja para que um dia fique perfeito. E ótimo. Agora, fazer porcaria não. Bom está de bom tamanho. Digo, sei exatamente quanto eu calço e invoco diariamente aquela expressão: sapateiro, não vá além das suas chinelas.

Um anjo me contou... Ou teria sido uma anja? Sim, discute-se muito sobre o sexo da questão, mas a mensagem sempre esteve acima do gênero. Quem sabe não se tratava de um casal de anjos? Sei que assim me explicaram: com o tempo, começarão a entendê-lo melhor. Serenidade e determinação, nunca se esqueça disso. Você entrará na meia idade munido da certeza de que realizaste algumas coisas boas. O ótimo agora se enquadra no rol das miragens, e razoável deve ser sua meta.

(“Eu digo o que merece ser lembrado mesmo que isso me mantenha acordado quando desejo me deitar. As verdadeiras canções estão ainda nas mentes dos homens”.)

Foi o que me disseram. Guardei cada palavra.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 18/07/2009
Reeditado em 17/03/2013
Código do texto: T1705964
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