Fileira de Pedra.

(Texto da Série Só Muda o Endereço – crônicas de família)

18/06/09

O circo foi novamente armado. Os mesmos palhaços, velhos conhecidos no picadeiro, foram convocados para apresentar palhaçadas repetidas. Do alto, o trapezista acena para o público incrédulo. Mal sabe ele que a rede de proteção que deveria ampará-lo está furada. Um buraco gigantesco bem no meio de sua única salvação.

Respiração presa para a primeira e bem-sucedida cambalhota no ar. Mas um gesto em falso, uma palavra mais esperta, e a postura de bom moço deu lugar a verdadeira face. Trapezista de cara no chão de terra batida. Aos palhaços, risadas forçadas foram a reação mais óbvia.

“Você pensa que me engana”. Até os trapezistas mais experientes dão com a cara no chão. “Você acha que me convence com essa mesma conversinha”. Não quebrou nenhum osso, mas o orgulho ferido pela vergonha do tombo doeu mais do que qualquer fratura.

Como qualquer família que se preze, um barraco no meio da rua pode acontecer às vezes. Visinhos constrangidos e curiosos presenciam alguns diálogos alterados. Tenho pena das palavras que saem da boca amargurada e doente.

“Você pensa que sou idiota”. Já vivemos essa situação tantas vezes que o repertório eu sei de cor. Sou mesmo idiota. Burra e ingênua por pensar que poderia transpor essa muralha medieval que lhe cerca. Não tenho forças para escalar tantas fileiras de pedra.

A tenda já não é mais a mesma. Lona velha, rede furada e maquiagem borrada pelo choro disfarçado de risada. Você saberia me dizer quantas vezes nos fez passar por isso? Nem eu, mas o resultado de tantas apresentações nesse circo de horrores está estampado na face daqueles que não significam muito para você. Não quero reviver tudo de novo, como se viver de passado fosse bom pra saúde. O bom é cultivar lembranças que mereçam um espaço no coração de quem as viveu.

Vou tentar esquecer esse fiasco de apresentação no meio da rua. Vou superar o cinismo disfarçado de humildade que você teima em nos enfiar garganta a baixo. Não compro mais ingresso para o seu show. Sua rede foi furada pelos espinhos incrustados em sua alma e eu não quero assistir a mais tombos vergonhosos.

Devo dizer apenas que minhas risadas pelo tombo que você levou são legitimas risadas de desabafo. Sabia que você não deixaria barato. A queda doeu não é? Faço questão de quem faz questão de mim, por que eu valho muito a pena.

Aos palhaços, o choro foi a reação mais óbvia. Para mim, rir será sempre o melhor remédio, e que se dane o resto!

Lorena de Macedo
Enviado por Lorena de Macedo em 18/06/2009
Reeditado em 15/02/2011
Código do texto: T1654927
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.