A RUA BRAVINHA.

A RUA BRAVINHA

Artigo publicado na obra São Paulo Minha Cidade - Categoria: Nossos bairros, nossas vidas

Pensamento: Oh que saudade intensa de minha infância querida.

Nasci no Moinho Velho, Ipiranga – São Paulo, Capital, nos idos de 1938, mais propriamente na Rua Dravinha, nº 9 (porque existia - e ainda existe a Rua Drava). Rua curta, mais ou menos 100 metros de extensão. Rua de terra batida, em declive não muito acentuado e que se caracterizava com a bela paisagem que existia. Ao longo da rua podia ser visto o Alto do Ipiranga, sem prédios ou construções altas. Quando chovia a rua transformava-se em barro escorregadio e dificultava o tráfego de carroças. O lixo era coletado por uma carroça puxada por cinco cavalos; o leite era entregue em uma pequena carroça, fechada, de folha de zinco, com uma porta na traseira e no interior alguns blocos enormes de gelo. Correio...nem pensar. Gás, absolutamente nenhum, especialmente nos bairros pobres. Os fogões eram aquecidos com carvão vegetal. Aliás, meu pai, no fundo do quintal de minha saudosa casa, construiu um barracão de mais ou menos 50² e o transformou em um depósito e atribuiu o nome de “carvoaria” e eu, sem poder reclamar, aos dez anos de idade já era o pequeno carvoeiro. Mas a profissão tinha lá suas vantagens. O carvoeiro necessitava de um bom banho à noite e isso somente era possível em uma banheira. Sim, minha casa possuía uma grande banheira de ferro por fora e, no interior, lustroso esmalte branco; água de poço, aquecida com eletricidade e o indispensável sabão de cinzas, produto que era habilmente preparado pela minha querida mãe (soda cáustica, restos de sebo de carne bovina e bastante cinza de carvão queimado no fogão). Era uma beleza o banho cuja água terminava totalmente negra por causa do pó do carvão que se desprendia do corpo, após um dia de trabalho. Pois bem, na frente de minha casa meu pai colocou uma pequena placa, mais ou menos com estes dizeres: “Carvoaria B.B.”. B.B. eram as iniciais que formavam o o nome do meu pai: Benjamin Burgarelli; mas, as pessoas da época, ou melhor, os moradores da rua, ao se depararem com a pequena placa colocada no portão de entrada de minha casa, diziam: - "carvoaria bem bravinha". O erro proposital fazia referência exclusiva ao fato de meu pai ser uma pessoa reconhecidamente sisuda e muito séria no olhar. Nada tinha a ver com a rua, mesmo porque o nome da rua era Dravinha. Pois bem essa mesma rua, ao depois da segunda grande guerra mundial, mudou de nome e acredite quem quiser, a placa azul, com letras brancas, então colocada na primeira casa da rua, com o nome Dravinha, inexplicavelmente, foi substituída por outra, porém surpreendentemente com um novo nome: RUA BRAVINHA. Até hoje não sei o porque da mudança. Cheguei mesmo a pensar, na inocência de minha idade, que as autoridades municipais assim procederam por causa da carvoaria e da pessoa de meu pai. É evidente que, afastando a ingenuidade de um pequeno carvoeiro, as alusões feitas pelos moradores não passaram de uma grande coincidência. Será?

SEBILCA.

Publicado em São Paulo Minha Cidade 2006

aclibes
Enviado por aclibes em 17/06/2009
Código do texto: T1653870
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