Fundos e Filas

Quem no Brasil nunca enfrentou uma longa fila num banco que atire a primeira pedra.

FGTS.

Para quem não sabe o que é isso, trata-se da sigla para Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Grosso modo, um direito trabalhista que dita a um empregador, no Brasil, depositar numa conta um percentual do que paga a um empregado, pelo tempo que durar a relação de trabalho entre eles. O empregado poderá usar esse dinheiro em certas situações.

Enquadrada num desses casos, lá fui eu a uma agencia da Caixa Econômica Federal receber o meu. Meu marido acompanhou-me. A primeira coisa que me ficou gravada na memória deste dia foi a cara dele, de espanto, ao ver o tamanho da fila. Acostumado ao pouco movimento nos bancos alemães, não deu outra:

- Pra quê essas cadeiras? – disse apontando as fileiras de cadeiras azuis, todas ocupadas e com tantas outras pessoas ao redor, esperando um lugar vagar. Perguntou-me isso num tom tão inocente, mais ou menos como o de Chapeuzinho ao falar com o Lobo na fábula dos Irmãos Grimm. Minha primeira reação foi responder-lhe atravessado, mas entendendo a situação, controlei-me e respondi, fazendo pilhéria, a princípio com voz doce:

- Para melhor esperar, vovozinha... – e depois, gutural: - Porque vai demorar! - Ele olhou-me simplesmente, e sorriu (pois conhece-me muito bem).

Ali ficamos, por muito, muito tempo. Já havia perdido a noção do tempo decorrido. No painel de chamada piscava ainda o número 98. No papelzinho que eu tinha entre os dedos estava um 150 desenhado, com tinta preta...

Olhei para a entrada e vi chegar um casal. Os dois pareciam bem apressadinhos. Já não havia tantas pessoas na sala. As cadeiras, umas trinta, não estavam mais todas ocupadas. Muitos desistiram de esperar, haviam ido embora.

O homem caminhou até a máquina, pegou uma senha e em seguida tratou de juntar-se à mulher, que já o esperava acomodada em uma das cadeiras, próximo a mim e meu marido. O homem olhou para o painel de chamada, para o papelote em suas mãos, para a mulher e já levantando-se, fazendo menção de puxar a mulher pelo braço, disse desanimado:

- 350! Tá doido?! Não é hoje que a gente sai daqui...Vumbora!

Se tem uma coisa que não costumo fazer mesmo é meter-me na conversa dos outros, principalmente sem ser convidada. Porém neste dia, talvez pela impaciência da longa espera, falei sem pensar, olhando para o homem:

- Moço, o senhor me desculpe a intromissão, mas o senhor está vendo mais de 300 pessoas nessa sala? – Se tinha umas vinte era muito. Ele olhou ao redor e antes que tivesse chance de dizer qualquer coisa, continuei: - Sente aí e espere, pelo menos uns 10 minutos. Agora acho que não vai demorar mais tanto assim...

Ops!

Ao perceber o que tinha feito, quis enfiar a cabeça na areia. Se bem que, por ali por perto, procurei e nada achei que pudesse usar para tal. Comecei a recriminar-me, em pensamento:

- Mas tu e essa boca grande! Tu não aprende não? Eu te disse... Eu não te disse?

O homem olhou-me assustado. Sentou-se e nada disse.

Ainda no meio do meu desespero, arrependimento, e da estranha reação do homem - Não sei quanto tempo isso durou - a voz grave de um funcionário cortou a sala:

- Aqueles que vão fazer isso e aquilo outro, aqui por favor!

Só lembro de ter ouvido o casal ao lado se ouriçando, todo contente, ainda mais porque parecia, além deles, não haver mais ninguém no mesmo caso. Não demorou nem dez minutos e já estavam despachados. Parece que conseguiram resolver toda a pendência. Antes de ir embora, vi o homem que me procurava com o olhar e ao me encontrar, dizer, de lá mesmo de onde estava:

-Ah, lá está a senhora... Dona, o seu santo é forte, hein? Tudo de bom pra senhora, viu! - E foi embora, arrastando a mulher pelo braço.

E eu... eu continuei lá, aguardando o 150 piscar... pensando:

- Santo forte? De quem será que ele estava falando, do meu ou do dele? É cada coisa... Eu e essa mania de contar, estimar, fazer previsões baseadas na santa estatística! Eu, hein? Se meu santo fosse forte mesmo, já havia ganho na loteria há muito tempo, quem sabe até sem jogar! – e várias vezes - como um certo Anão do Orçamento... Essa frase... Será que nunca vou esquecê-la? “Deus me ajudou e eu ganhei dinheiro!” Santo forte... Tá... Sei!

Como já disse, atire a primeira pedra quem (nunca foi ao fundo... do saco) enfrentando uma boa fila...

Um abraço fraterno :-)