A MULHER QUE SE PERDEU NAS PALAVRAS
Marília L. Paixão
Ele me telefonou todo cismado. Tinha conhecido uma mulher que no final das contas lhe disse que seu nome não podia dizer qual era. Mas por que você está assim tão agitado?! Perguntei por saber que ele só me ligava quando algo muito o incomodava ou tinha algo muito importante a me dizer. Ele insistiu que o assunto era a mulher.
- Quero que você escreva um conto sobre essa mulher! Ela é professora de português aposentada que ficou presa nas palavras e agora diz que sequer pode revelar o próprio nome.
- Como assim não releva o nome?!
- Ela não diz. Conversa com todo mundo, mas não diz o nome. Diz que não pode dizer. Tentei descobrir e ninguém sabe. Todos dizem que ela não diz. Por que você não propõe a sua turma de escritores ai para escrever sobre essa mulher? Tentar imaginar o porquê dela não dizer...
E ai ele começou a falar tantas possibilidades enquanto eu pensava que quem deveria escrever o conto era ele e não eu e nem ninguém. Nem dou conta de falar tudo que ele imaginou que poderia ser o motivo. De espionagem a ser vitima de perseguição ou ser extraterrestre, nada deixou de passar pela imaginação dele. Mas isto tudo foi ontem enquanto eu estava ainda às voltas com o último desafio do fantástico grupo que havia se comprometido a escrever e a colocar a chave no vaso.
Mas hoje cedinho, cedinho, antes de ir trabalhar recebo outro telefonema. Desta vez não era um dele, era um dela. Outra grande amiga do coração. A voz alegrinha falou bom dia e eu falei logo: - Diga logo do que se trata, pois estou com o pé na porta. Atendi ao telefone para que ele não acordasse todos da casa.
- Olha Marília, o fulano está me traindo e passeando na minha frente com uma fulana. Depois você me liga que a história é grande.
- Ligo! Tchau.
Fui trabalhar! Pensando que atender telefonema não estava sendo fácil. Aquele mesmo seria um difícil que daria um conto fácil sem nem saber a história. Mas conto é bom quando a história não afeta a gente. Aquele telefonema teria um triste fim. Tipo: Me ajuda a largar o fulano e a fazer a mudança. Vontade de responder: Não dá para adiar essa decisão para daqui a uns anos? Vocês já perderam tanto tempo juntos mesmo!
Problemas da vida não se resolvem fácil assim. Portanto quanto mais tempo eu demorar em retornar aquele telefonema, melhor para mim. Afinal, ela estava com ar feliz e não triste e não desesperada. Talvez essa tal traição do marido para ela ter certeza foi uma glória. Eu que nada sei fico só correndo do telefone. Tomara que ninguém me ligue mais hoje. Ou eu vou dizer que eu não sou o meu nome ou nem sei mais quem eu sou.
Me transformei na mulher que se perdeu nas palavras.
www.recantodasletras.com.br/contos/1603555
Marília L. Paixão
Ele me telefonou todo cismado. Tinha conhecido uma mulher que no final das contas lhe disse que seu nome não podia dizer qual era. Mas por que você está assim tão agitado?! Perguntei por saber que ele só me ligava quando algo muito o incomodava ou tinha algo muito importante a me dizer. Ele insistiu que o assunto era a mulher.
- Quero que você escreva um conto sobre essa mulher! Ela é professora de português aposentada que ficou presa nas palavras e agora diz que sequer pode revelar o próprio nome.
- Como assim não releva o nome?!
- Ela não diz. Conversa com todo mundo, mas não diz o nome. Diz que não pode dizer. Tentei descobrir e ninguém sabe. Todos dizem que ela não diz. Por que você não propõe a sua turma de escritores ai para escrever sobre essa mulher? Tentar imaginar o porquê dela não dizer...
E ai ele começou a falar tantas possibilidades enquanto eu pensava que quem deveria escrever o conto era ele e não eu e nem ninguém. Nem dou conta de falar tudo que ele imaginou que poderia ser o motivo. De espionagem a ser vitima de perseguição ou ser extraterrestre, nada deixou de passar pela imaginação dele. Mas isto tudo foi ontem enquanto eu estava ainda às voltas com o último desafio do fantástico grupo que havia se comprometido a escrever e a colocar a chave no vaso.
Mas hoje cedinho, cedinho, antes de ir trabalhar recebo outro telefonema. Desta vez não era um dele, era um dela. Outra grande amiga do coração. A voz alegrinha falou bom dia e eu falei logo: - Diga logo do que se trata, pois estou com o pé na porta. Atendi ao telefone para que ele não acordasse todos da casa.
- Olha Marília, o fulano está me traindo e passeando na minha frente com uma fulana. Depois você me liga que a história é grande.
- Ligo! Tchau.
Fui trabalhar! Pensando que atender telefonema não estava sendo fácil. Aquele mesmo seria um difícil que daria um conto fácil sem nem saber a história. Mas conto é bom quando a história não afeta a gente. Aquele telefonema teria um triste fim. Tipo: Me ajuda a largar o fulano e a fazer a mudança. Vontade de responder: Não dá para adiar essa decisão para daqui a uns anos? Vocês já perderam tanto tempo juntos mesmo!
Problemas da vida não se resolvem fácil assim. Portanto quanto mais tempo eu demorar em retornar aquele telefonema, melhor para mim. Afinal, ela estava com ar feliz e não triste e não desesperada. Talvez essa tal traição do marido para ela ter certeza foi uma glória. Eu que nada sei fico só correndo do telefone. Tomara que ninguém me ligue mais hoje. Ou eu vou dizer que eu não sou o meu nome ou nem sei mais quem eu sou.
Me transformei na mulher que se perdeu nas palavras.
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