Os Mosqueteiros.

(Texto da Série Só Muda o Endereço – crônicas de família)

"Somos todos uns pelos outros". Foi o que ele me disse quando eu agradeci pela centésima vez. Mas o que eu podia fazer além de agradecer repetidas vezes? Ele nunca me deixa retribuir.

Voltando no tempo para que você leitor, não se sinta ignorado por esse desabafo despretensioso, relatarei o dia mais infernal da minha existência.

Levantei da cama naquela manhã de terça com a mesma preguiça de todas as outras manhãs. Você pode pensar que fui ingênua ao desejar um dia tranqüilo, mas porque não? Porque não ser otimista diante de mais uma manhã acinzentada?

Nunca pensei que uma visita à padaria do bairro pudesse sair tão caro. Eu só queria 5 pães. Apenas um pequeno saco de pão e um café corriqueiro em casa. Não estava atrasada para o trabalho. Não estava insatisfeita com nada. Não houve tempo para sentir rabugices entre a hora que acordei e o saco de pão.

Mas como nada parece ser o que é, resolvi sair do estacionamento pela passagem mais movimentada. Cruzar uma avenida de mão-dupla àquela hora da manhã não me pareceu uma grande façanha. O pé entrou fundo no freio dois segundos antes do choque. Motoqueiro no chão, moto levemente estragada e a dianteira do meu carro com muitas escoriações. Nessas horas só existem duas reações possíveis: Desvairar-se por completo ou manter a sanidade. Obviamente a primeira opção aflorou com naturalidade.

Sem carteira de motorista, celular ou qualquer outra coisa, corri como louca até em casa para buscar meus documentos. Espere, pois agora sou eu que digo para não sermos tão ingênuos. Corri feita louca sim! Mas corri para buscar minha mãe.

Não me lembrei de mais nada. O carro sem seguro e a motorista sem carteira foram brutalmente separados. Corpo de bombeiros, polícia militar e muitos curiosos ajudaram a armar o circo. Tenda montada e motoqueiro devidamente recolhido sem maiores conseqüências. Meu santo é forte e a julgar pela velocidade com que subiu a avenida, parece que o dele também. Só alguns arranhões no joelho e uma calça jeans rasgada.

O primeiro a chegar foi o irmão do meio. Depois, o tio de coração resolveu ajudar. Não deveria contar a passagem em que eu e minha mãe fomos de viatura para a 16º DP prestar esclarecimentos pela falta da minha carteira. Mas o irmão caçula, criativo e sem nada melhor para fazer, filmou algumas cenas comprometedoras.

Devo esclarecer que não fui presa. Apenas não havia outro carro disponível para nos conduzir. A companheira-mãe e a infratora-filha foram passear na delegacia. Afinal de contas, quem pariu que embale, não é mesmo?!

Nesse dia, o lema dos três mosqueteiros surgiu como verdade universal. "Um por todos e todos por um". Depois do nervosismo, a crise de risos. Minha mãe fazendo piada de nossa estada na 16ª e das paredes riscadas com nomes de possíveis detentos. Meu pai não ficou de fora da foto. Apareceu para resgatar as donzelas e oferecer suporte financeiro. Pai quando resolve ser pai, é a melhor coisa do mundo.

Nesse meio tempo entrou no picadeiro o tio de sangue, que também é de coração. Família é coisa de sentimento, suor, lágrimas, sangue, sorrisos e piadas que duram o resto da vida. Família como a minha não se acha em qualquer endereço.

Cada um se manifesta como pode. Cada um ajuda na medida de sua personalidade e maneira de ver o mundo. Uma tia mostrou-se solidária. Veio me visitar e trouxe chocolate para aliviar a tensão. A outra me ofereceu a gargalhada mais gostosa da face da Terra e me ensinou o verdadeiro significado da palavra abundância. Pessoas que convergem esforços para o mesmo fim. Ajuda de todos os lados. Companheirismo e solidariedade. Sim leitor, eu tenho muitos tios...

O tio de sangue andou comigo a tira-colo pela cidade inteira. Tirou meu carro do pátio da polícia e resolveu todos os meus problemas. Agiu como sempre faz. Veste a capa vermelha e manifesta seus super-poderes.

O carro, tão suado e desejado, também requer atenção. Para isso, temos o tio do coração. Não me preocupo com nada. Os orçamentos já estão feitos. Mecânico bom, peças compradas e a boa-vontade de quem me conhece desde que nasci. Ou será que me conheceu ainda no ventre?

Pergunto ao leitor que chegou até aqui, se há mosqueteiros em sua família. Muitas cabeças, braços, pernas e corações sempre apostos. Não há idade em que não se precise mais dos pais. Não há momento em que se consiga resolver tudo sozinho. Não há satisfação maior do que ouvir alguém dizer “deixa comigo”.

Pensando bem, não há dias infernais quando se tem mosqueteiros ao redor.

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Lorena de Macedo
Enviado por Lorena de Macedo em 15/05/2009
Reeditado em 25/07/2011
Código do texto: T1595678
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