TOQUE DE RECOLHER

Entre tantas notícias importantes que aconteceram nas últimas semanas: crise financeira, ameaça nuclear da Coréia do Norte e agora, vem a gripe suína, assustando o mundo - teve uma que chamou a atenção pela sua particularidade, o toque de recolher em uma cidadezinha do interior do estado de São Paulo. Os jovens estão proibidos de permanecerem nas ruas após determinada hora. Isso fez lembrar o meu tempo de adolescente, aqui em Vitória. Eu estudava em um colégio dirigido por um militar , tipo “linha dura “ , que utilizava métodos muitos rígidos , como também criava situações curiosas, como a de fazer os rapazes acompanharem as moças até as suas residências , quando faltava energia elétrica , na cidade.Esse procedimento era visto de forma diferente, dependia das circunstâncias . Uma certa vez, as luzes da cidade se apagaram, e o militar foi de classe em classe, ordenando que os garotos levassem as meninas para suas respectivas residências, isso de acordo com o percurso de cada um. Fazia-se uma espécie de mapa imaginário e organizava-se os acompanhantes. No dia seguinte, ele novamente ia de classe em classe para perguntar às moças se os rapazes se comportaram bem.Caso contrário , a confusão estava formada.

E assim aconteceu. No dia seguinte, aquele homem alto , forte , grisalho, de voz vibrante , chegou a minha classe. Dirigiu-se a todos, e com jeito autoritário, perguntou: "alguma jovem tem queixas a fazer pelo comportamento inconveniente de algum rapaz"? Na minha frente, estava um casal. Ela , uma garota muito bonita, e ele também , era um garoto bonito. Já estava aquele clima no ar; e naquele momento, eu tive a preocupação de observá-los. O rapaz, de braços cruzados, olhando para o militar , com reverência. A menina, de cabeça baixa, parecia não dar importância a pergunta daquele homem poderoso. E novamente, o militar pergunta:" alguma moça tem queixas a fazer dos rapazes"? Aí a garota levanta a cabeça, lentamente, olhando para o rapaz com um sorriso de quem encontrou a porta do paraíso, respondeu:" nenhuma". O militar ,com toda sua imponência ,faz um pequeno discurso em prol da moralidade e dos bons costumes. E após alguns minutos daquele palavreado conhecido de todos, ele deixa a sala, com passos firmes , como sempre.Aí o garoto olha para a garota e os dois riem, e ele mostra um sorriso de quem já estava no paraíso. Eu não tive a mesma sorte, voltei para casa , no escuro , sozinho , a pé, e o guarda-noturno ainda me deu uma lanternada na cara. Irritado, eu lhe disse: "sou eu cara" E aquele homem simples aparecia para mim , como o militar poderoso , capaz de criar situações tão interessantes , como o momento de felicidade daquele casal da minha frente.

Soleno Rodrigues
Enviado por Soleno Rodrigues em 28/04/2009
Reeditado em 05/03/2017
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