Romeus e Julietas do século XXI

Golpe duro é quando a própria vida, apesar dos esforços e crenças individuais, não conspira a favor. Difícil é ver tudo o que se planeja, amorosamente, dar errado. Não, não existe ódio mortal secular entre famílias. Existem, antes, famílias a querer, covardemente, impor valores estigmatizados socialmente estabelecidos; famílias que preferem viver em desarmonia a arcar com o ônus da cobrança social e, entretanto, com o bônus da liberdade de poder escolher o seu próprio destino.

Quantos se viram na mesma situação e desistiram sem resistir às forças contrárias, sucumbindo ao total controle social? Quantos tiveram que guardar seus sentimentos nas malas da lembrança e sufocar o coração numa quase viva morte?

A trama humana reveste os fatos e os possíveis Romeus e Julietas são convidados a sair de cena ou para que se possa haver o único final feliz - a solidão efêmera que se esvai com o findar das lembranças derrotadas pelo tempo -, ou para que se tenha lugar a tragédia recontada pelos séculos:

"ROMEU — (...)Ah! querida esposa, por que ainda és tão formosa? Pensar devo que a morte insubstancial se apaixonasse de ti e que esse monstro magro e horrível para amante nas trevas te conserve? Com medo disso, ficarei contigo, sem nunca mais deixar os aposentos da tenebrosa noite; aqui desejo permanecer, com os vermes, teus serventes. Aqui, sim, aqui mesmo fixar quero meu eterno repouso, e desta carne lassa do mundo sacudir o jugo das estrelas funestas. Olhos, vede mais uma vez; é a última. Um abraço permiti-vos também, ó braços! Lábios, que sois a porta do hálito, com um beijo legítimo selai este contrato sempiterno com a morte exorbitante. Vem, condutor amargo! Vem, meu guia de gosto repugnante! Ó tu, piloto desesperado! lança de um só golpe contra a rocha escarpada teu barquinho tão cansado da viagem trabalhosa. Eis para meu amor. (Bebe.) Ó boticário veraz e honesto! tua droga é rápida. Deste modo, com um beijo, deixo a vida. (Morre.)

(...)

JULIETA — Vai, que eu daqui não sairei jamais. (Sai frei Lourenço.) Que vejo aqui? Um copo bem fechado na mão de meu amor? Certo: veneno foi seu fim prematuro. Oh! que sovina! Bebeste tudo, sem que me deixasses uma só gota amiga, para alivio. Vou beijar esses lábios; é possível que algum veneno ainda se ache neles, para me dar alento e dar a morte. (Beija-o.) Teus lábios estão quentes. (...)Ouço barulho. Preciso andar depressa. Oh! sê bem-vindo, punhal! (Apodera-se do punhal de Romeu.) Tua bainha é aqui. Repousa ai bem quieto e deixa-me morrer. (Cai sobre o corpo de Romeu e morre.)"

Parem tudo! - grita o Diretor. Não é possível que, num século marcado por tantos avanços tecnológicos, o final de uma história de amor pseudamente proibido não possa ser reinventado, tenha que ser o mesmo das fictícias histórias intemporais. É inconcebível que a sociedade, numa luta incansável para a humanização das tecnologias, seja tão desumana a ponto de querer obstaculizar, julgar e punir, como um deus, a vida pertencente a cada um de seus indivíduos.

Não, terminantemente essa e tantas outras histórias não podem ter o final dado à narrativa shakeasperiana de séculos atrás. Amar não é ser permissivo. O amor é a fonte que nos aproxima de Deus. Deve-se, antes, respeitar o livre-arbítrio, lei Divina, e, ao indivíduo, cabe o papel de se fazer respeitar, de lutar pelo que julga ser o melhor para si e que com outros não interfira, ainda que esse melhor não o seja para os demais orgulhosos de sua casta.

Não nos esqueçamos também de que o sacrifício é sempre o das preferências e não o das convicções. Mesmo porque os tempos mudam e tudo o que era já não é mais.

Sol Galeano
Enviado por Sol Galeano em 13/03/2009
Reeditado em 15/10/2013
Código do texto: T1484631
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