22/11/1963 UM DIA INESQUECÍVEL

A rádio Bandeirantes de São Paulo em novembro de 1963 mantinha no ar um programa chamado “Vitrola Mágica” comandado pelo radialista de enorme popularidade, Enzo de Almeida Passos.

O rádio naquela época, apesar da televisão, monopolizava os meios de comunicação no Brasil e mantinha uma audiência enorme.

O programa consistia em um trailer que semanalmente estacionava em um bairro da cidade contendo uma vitrola daquelas automáticas que assistimos em filmes americanos, e do local Enzo apresentava o programa com presenças diárias de vários artistas famosos da época. Apresentava o artista e simulava apertar um botão da máquina selecionando a música, e a central da rádio colocava no ar.

Naquela semana o trailer ficou estacionado na Aclimação, onde eu morava (na esquina da Rua Coronel Diogo com a Av. Lins de Vasconcelos, em um campinho de futebol que existia na época ao lado da Caixa da Água), bem próximo a minha casa.

Foi uma semana agitada para todos do bairro, a cada dia tínhamos a oportunidade de conhecer bem de perto os famosos cantores do rádio e da televisão.

Artistas consagrados naquele tempo como Morgana (que residia na época na Aclimação), Marta Mendonça, Carlos Gonzaga, Miltinho, Altemar Dutra, Nilo Amaro e seus Cantores de Ébano, Demônios da Garoa, e tantos outros, e também artistas que estavam iniciando suas carreiras e que depois se tornariam grande sucesso da música popular brasileira como Jair Rodrigues, Elis Regina, Wilson Simonal, Rosemary entre outros.

Na tarde de 22 de novembro, logo após o almoço, me desloquei para o local para assistir o programa e ver os artistas.

Quando me aproximei do trailer percebi a presença de um rapaz sentado de óculos escuros, camisa branca e calça jeans desbotada, cabelo estilo dos Beatles que estavam começando a fazer sucesso internacional. Sua aparência era diferente dos outros artistas que normalmente se apresentavam de terno e gravata, ou na pior das hipóteses vestidos de camisa e calça esporte muito bem comportados.

Não havia artista que se apresentasse em público de calça jeans. Foi a primeira vez na vida que vi jeans desbotado, o que posteriormente se tornou moda entre a garotada, pedíamos as nossas mães para passar água sanitária nas nossas calças jeans azul-escuro para desbotá-las.

Em determinado momento do programa Enzo anuncia:

- Agora diretamente do Rio de Janeiro onde faz grande sucesso, o Rei do Rock Brasileiro – Roberto Carlos.

Naquela época o Rio era o centro cultural do Brasil, falar que fazia sucesso por lá, era o passaporte garantido para fazer sucesso em São Paulo.

Após a apresentação, observo o rapaz levantar da poltrona em que estava sentado com certa dificuldade, como se estivesse com algum problema na perna e se aproximar do microfone.

Enzo faz uma rápida entrevista e fica constatado ao público que era um artista completamente diferente dos da época, boa pinta, diferente no seu modo de se vestir e falar utilizando gíria, o que dava a ele uma comunhão com a juventude de rebeldia que adorávamos.

Enzo continua:

- Roberto Carlos, o Rei do Roque Brasileiro, vem a São Paulo para lançar a música que está em primeiro lugar em todas as paradas de sucesso do Rio, “Parei na Contramão”.

A música entra colocada pela central da rádio e ele canta junto para o público presente.

Sua postura de palco era nova, diferente, moderna, nunca tínhamos visto um artista brasileiro se apresentar daquela forma.

As menininhas presentes começaram a ensaiar gritinhos, e eu naquele momento, um adolescente de 14 anos, decidi:

- Quando eu ficar rapaz quero ser igual a esse cara.

Depois uma geração inteira de jovens pensou igual a mim.

De repente a música é interrompida pela central da rádio e o locutor entra:

- Plantão de notícias Bandeirantes, atenção, atenção, ouvintes.

- Dallas, Estados Unidos, urgente, o Presidente americano John Kennedy, acaba de ser baleado durante um desfile em carro aberto pelas ruas da cidade do estado do Texas.

Foi uma comoção geral entre os presentes, lembro-me da expressão de espanto no rosto do Roberto Carlos, encontrava-me posicionado bem a sua frente.

O resto a história conta em detalhes, sobre a morte do Kennedy e a carreira do cantor.

Muita água rolou sob a ponte desde aquele dia, para mim e para o Rei.

Vivemos vidas completamente diferentes com muitos pontos em comum, igual a todos os seres humanos.

Foi sem dúvida um dia emocionante, estávamos em plena guerra fria com medo terrível da bomba atômica, e lembro-me que pensei no momento, será que começa a Terceira Guerra Mundial?

Um dia que não esquecerei jamais.

Duda Menfer
Enviado por Duda Menfer em 07/03/2009
Reeditado em 28/04/2024
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