Outros Tempos

Realmente estou vivendo em outros tempos.

Sem querer comparar o meu período de infância e de adolescência com o que temos hoje, vejo que muitas coisas mudaram.

Por exemplo, ainda não tínhamos televisão, mas em 1944, eu tinha 10 anos, o meu pai comprou do Palmiro, um companheiro de serviço na Cia Mogiana, o nosso primeiro rádio, que ele mesmo montava. Era um rádio de cinco válvulas que sintonizava a maioria as emissoras existentes no Brasil.

Desta forma eu fui criado ouvindo o que de melhor o rádio já teve. Por exemplo, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro era a preferida da minha mãe, por ter as novelas radiofonizadas. A Nacional tinha um auditório para 500 pessoas, pois muitos de seus programas eram passados para o público no local e para os ouvintes em casa.

Grandes programas musicais com grandes cantores e ótimas orquestras. A orquestra da Rádio Nacional era conduzida por Lírio Panicalli, ou Hercule Varetto, grandes regentes. Tinha também o maestro Chiquinho com seus grandes músicos para acompanhar Orlando Silva, Francisco Alves, Carlos Galhardo, Gilberto Alves, Nuno Roland, Emilinha Borba, Marlene, Araci de Almeida, Sílvio caldas. Além do Regional de Dante Santoro.

Mas falando de artistas me lembro de Luiz Gonzaga, que podia ter muito sucesso no Norte, mas para o Brasil a Rádio Nacional se encarregou de consagrar.

Lembro-me de muitas de suas músicas. Grandes composições de sua autoria ou junto com Zé Dantas, como um Xote muito alegre que era “Que Mentira que lorota Boa”, que foi muito cantado na época. Do outro lado do disco vinha o “Xote das Meninas”.

Apenas um trecho de “Que Mentira que lorota Boa”:

Dei uma Carreira num Cabra

Que mexeu com a Maroquinha

Começou na mata Grande

Foi acabar na Lagoinha

Corri mais de Sete Léguas

Carregado como eu vinha

Pois trazia na cabeça

Um balaio de Galinhas.

Luiz Gonzaga, em Xote das Meninas, um dia teve de explicar várias palavras contidas na música, no Programa César de Alencar.

Por exemplo, há um verso que diz..”Mandacaru quando fulora na serra é sinal de que a chuva chega no sertão...” Na verdade, mandacaru é uma vegetação que quando floresce na serra é sinal de que a chuva esta para começar o período úmido do ano, no sertão nordestino.

Outro exemplo é o verso..”.não quer mais vestir timão...”. Timão é um vestido que as meninas usavam até uns 10 anos, geralmente feito em casa pelas mães, uma peça que chegava até abaixo dos joelhos. Muitas vezes feito de saco de farinha.

Luiz Gonzaga era um gênio na música. Retratava bem os costumes de sua terra.

O Xote das Meninas era assim, em um trecho:

Mandacaru quando fulora na Serra

É um sinal de que a chuva chega no Sertão

Toda menina que esquece da boneca

É que o amor chegou no coração

Vestido bem cintado

Não quer mais vestir timão.

Um pequeno trecho de outra pérola de Luiz Gonzaga: “ Pão Duro”:

Sou Pão duro, vivo bem.

Não ando de bonde, Não ando de carro, não ando de trem.

Sou Pão duro, vivo bem.

Não dou bom dia, Não dou boa noite, Não dou parabéns.

Alegria que eu tenho não dou a ninguém

E quem quiser que faça assim

Como eu também.

Nessa música Luiz retrata um senhor que conheceu, muito “mão fechada” e que não gastava seu dinheiro, por nada.

Se não me falha a memória, “Cortando o pano” também é dele e era mais ou menos assim:

Sou alfaiate do primeiro ano

Pego na tesoura e vou cortando o pano

Sai daqui Germano, você está me atrapalhando.

Sou alfaiate do primeiro ano

Quando não erro o terno sai bacano

Eu costuro no sistema americano

Pego na tesoura e vou cortando o pano

Eu não costuro para Italiano

Também não trabalho para Lusitano

Sou Alfaiate do Primeiro ano

Pego na tesoura e vou cortando o pano

Realmente Luiz Gonzaga foi um grande artista. No acordeom era considerado o melhor do Brasil, como também eram grandes músicos Luis Americano, Russo do Pandeiro, Jararaca, Altamiro Carrilho, Dante Santoro, Dilermando reis, Waldir Azevedo, e muitos outros.

Quantas preciosidades estão esquecidas há algumas décadas.

As nossas emissoras de rádio não mais tocam ou criam programas homenageando a música brasileira. Existem algumas exceções, é claro. Porém raras. Em geral as nossas atuais emissoras preferem tocar musica estrangeira de qualidade duvidosa.

Nem os programas de músicas Italianas ou Portuguesas temos mais, como antigamente.

O que me levou a escrever esta crônica foi um pouco de saudade do bom rádio, e o privilégio que todos da minha idade têm: o de viajar de graça em ônibus municipal e de ter saudade.

A minha saudosa esposa Lucy contava que no casamento de seu primo Nélson Perez, o famoso cantor Bob Nélson, o Luiz Gonzaga compareceu para alegrar a festa. Minha esposa contava que conversou muito com ele e dizia que era uma pessoa muito simples. As festas do casamento de Nélson aconteceram no Hotel Dalva, dos seus pais, na Avenida Andrade Neves, próximo ao Instituto Penido Burnier, em Campinas.

Laércio
Enviado por Laércio em 22/02/2009
Reeditado em 22/02/2009
Código do texto: T1452012