O meu piano branco

O MEU PIANO BRANCO

Pai . . . Eu quero ter uma casa com um piano branco. Uma sala de mármore branco, com o meu

piano bem ali.

Dizem que o mármore é frio: não creio. De qualquer modo, os acordes do meu piano dariam calor à minha sala.

Sabes, pai, todos os que são como nós, todos os que sentem a vida nascer, florir e morrer num doce acorde, estariam presentes naquela sala de mármore, junto ao meu piano branco.

E tu, meu pai? Tu e a minha querida mãe estariam comigo, apesar de ser longa a tua caminhada agora. E a nossa festa estaria completa...

Tudo pronto, artistas eivados de desenganos, corações sofridos, olhos marejados, daríamos início ao nosso concerto.

As notas musicais iriam crescendo, lentas, choradas, transmitindo uma sucessão de desenganos ... De desenganos e de meiguice. Quem não tem desenganos, meu pai? Cada um de nós, perdido em suas próprias angústias, iria inundando a sala com seus acordes com suas imagens sonoras, que bailariam em torno do tema central: a angústia.

E lá no fundo, alheio às nossas lágrimas , o meu piano branco iria sorrir ...

Ah! Meu pai. Toma a minha mãe pelos braços e traze-a também a ouvir nossos sonhos. Leva-a com cuidado até o meu piano branco, orgulhoso de sua presença naquela suntuosa sala de mármore.

Já disseram que o mármore é frio: não creio. De qualquer modo, o calor de nossas angústias superaria tudo. Somos artistas que a vida forjou e que a própria vida se encarregou de destruir. Somos artistas perdidos nessa imensidão de cimento e ferro, que nos empurra para o desconhecido. Somos pobres artistas, atirados ao futuro, como crianças à vida.

Vem, pai. Traz a minha mãe pelas mãos e vem juntar-te a nós, na minha sala de mármore. Vem ouvir o lamento do piano branco que os meus amigos vêm dedilhar.

Vem, meu pai. Acorda do teu sono de paz, toma a minha mãe pelos braços e vem ouvir também o meu piano branco, soberbo, orgulhoso de ser o destaque naquela sala de mármore branco que obriga os nossos desenganos.

João Bosco Costa Marques.