O pobre e seu funeral

       
Uma reportagem policial que, excepcionalmente, acabo de ver, me deixou arrasado. Ou revoltado?
        Foi assim. A TV mostrou o drama de uma família sem dinheiro para custear o funeral do seu chefe, que morrera atropelado na via pública, e permanecia há doze horas insepulto.
        Para enterrá-lo com um mínimo de dignidade, a mulher e os seis filhos do inditoso cidadão pediam, desesperados, a ajuda dos telespectadores.
        Um quadro corriqueiro? 
        Parece que sim. Pelo menos foi o que me informou a babá do meu neto Davi,  que não perde um programa de polícia, no rádio e na televisão.
        Embora reconheça a sua importância, não me ligo muito na crônica policial.
        Entretanto, a verdade que transparece cristalina de tudo que se ler e ver é a de que se o defunto é pobre, seu funeral é problemático.
        Já na compra do caixão, sua família geme e chora.
        Em seguida, vêm as despesas com o velório. E a depender do seu credo a encomendação do seu corpo custa caro.
        Se católico, no meu modo cristão de entender as coisas, a encomendação deveria ser gratuita. Nada de pagar a chamada espórtula.
        Diante de tão grosseira e ingrata realidade, o mortal pobre - veja que eu disse o mortal pobre - acaba aderindo, inapelavelmente, aos famigerados "planos" que, nos seus menus, oferecem o auxílio-funeral. 
        Mas quando seus parentes vão resgatar essa funérea ajuda pecuniária, descobrem que o dinheiro ofertado mal dá para contratar uma modesta funerária e comprar  duas dúzias de cravos.
        E aqueles cravos dormidos, cansados, ressuscitados, que são vendidos nos portões dos cemitérios. E tem que ser cravos. Lírios? Rosas? Palmas de Santa Rita Angélicas? Nem pensar.
        E ainda pode ocorrer, que os "planos", aos quais me referi, não cheguem a trazer uma definitiva tranquilidade aos seus filiados.
        O que pretendo dizer é que o cidadão com direito ao tal auxílio continua a preocupar-se em saber por quanto sai um funeral.
        É o caso, por exemplo, de seu Carlito, o empertigado jardineiro do meu condomínio.
        Atravessando, no momento, com invejável garbo, a terceira idade, ele mantém em dia o plano que lhe assegura, inclusive, o auxílio-funeral.
        Mas quando passa por uma funerária, anota, sem encabulação, os preços dos caixões mortuários.  
        Foi exatamente o que ele me disse em uma conversa que travamos, dois dias atrás, à sombra da espirradeira florida que enfeita meu jardim.
        Outro exemplo. Um velho amigo meu, já na condição de um moribundo irreversível, perguntava, todos os dias, à sua compassiva esposa quanto o Gonzalez da funerária da esquina estava cobrando por um esquife de pinho.
        E quando era informado do preço, piorava. 
        No interior do Ceará, onde nasci e vivi boa parte de minha infância, os enterros eram realizados com extrema simplicidade.
        Lá pelos anos 1940, o sertanejo enterrava seus mortos usando suas redes de dormir.  
        A rigor, só os defuntos ricos tinham caixões de cedro polido e alças doiradas.
        Tinham ainda direito a essa, coroas de flores naturais e cantorias, em ruidosos velórios. Tinham, em síntese, um funeral, um enterro de luxo.
        Posso estar dizendo uma imensurável asneira quando garanto que o Homem, através dos séculos, complicou e sofisticou os enterros; os funerais. 
        Podia muito bem ter seguido o exemplo de Jesus de Nazaré que se deixou enterrar em um buraco cavado numa rocha rústica, nas cercanias de Jerusalém. 
        O Nazareno - Rex judeorum - teve um mausoléu singelo.

        Li, dia desses, que em um determinado estado brasileiro, uma funerária de alto luxo criou ou fundou um consórcio que dá ao consorciado um enterro completo e de primeira grandeza.
        Desde que, ao partir, reste comprovado que o consorciado permaneceu em dia com as mensalidades acordadas,  passa ele a fazer jus a um túmulo digno, velório solene, traslado, se for o caso, nota fúnebre, flores, e, de quebra, um padre para a missa de corpo presente.
        Até a Certidão de óbito a funerária se compromete a fornecer.
 
        Sem dúvida, um inusitado consórcio.
        Mas pelas vantagens que  oferece, ele não pode ser sumariamente descartado.
        Se este tipo de consórcio chegar em Salvador, já avisei, eu serei o primeiro a manifestar minha adesão a ele. 
        Farei, apenas, uma exigência: que no meu velório, seja permitida a presença das carpideiras... Serão muitas!!!!!!!       

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 31/01/2009
Reeditado em 21/03/2009
Código do texto: T1414196