Aves agourentas


          Gosto de ler o Luís da Câmara Cascudo.           Procuro-o repetidas vezes. Mormente quando quero saber algo mais sobre o nordeste; seu folclore, et cetera, et cetera.
          Seu livro sobre a jangada e o jangadeiro, por exemplo, é fantástico. 
          Sobre o jangadeiro - que é sempre pescador - veja o que ele diz: "O pescador é o profissional do silêncio. O jangadeiro deve ser silencioso no meio da musicalidade selvagem do mar."  
          E mais adiante: "No mar perde-se uma arabaiana soberba por um assobio imprevisto e gaiato. Na via jangadeira sente-se o moto heróico dos trapistas, Oh
beata solitude, oh sola beatitude."
          
Carlos Drummond de Andrade inicia um de seus belos trextos, publicado em 1968, dizendo o seguinte: "Já consultou o Cascudo? O Cascudo é quem sabe. Me traga aqui o Cascudo."
          Assim falou o festejado poeta mineiro, dando o merecido realce à exuberância do conhecimento acumulado pelo magnífico folclorista norte-riograndense.
          O Câmara Cascudo está entre os escritores que a gente tem dificuldade de acreditar que já morreu. Ainda bem que sua obra continua viva e se mantendo como uma imperdível atração.
          Como pesquisou e escreveu esse notável nordestino! Nasceu em Natal em 1898;  e morreu na capital potiguar no dia 10 de junho de 1986.
          Pois é. Do Cascudo, acabo de re-ler "Coisas que o povo diz". Quem ainda não leu esse livro, faça-o agora. Leia-o de cabo a rabo.  É uma leitura erudita, leve, divertida; alguns capítulos, surpreendentes.
          Ele abre seu livro com estes versos do trovador pernambucano Adelmar Tavares: " A verdade popular/  Nem sempre ao sábio condiz,/ Mas há verdade serena/ Nas coisas que o povo diz."
          Para, em seguida, dizer como surgiram e foram incorporados à cultura popular ditos e expressões como estas: Macaco velho não põe a mão em cumbuca. - Quem empresta nem para si presta. - A ovelha negra. - Emprenhar pelos ouvidos. - Tem caveira de burro. - 
          Neste ponto ele  aproxima-se do nosso Thiago de Mello, que escreveu "O povo sabe o que diz". Também deve ser lido; imediatamente.
          Entre outras coisas, o poeta amazonense traduz  o que o povo quer dizer com o "Não dar o braço a torcer".
          E o faz desta maneira: " Tem gente que já nasce assim. O mundo pode vir abaixo, mas não muda de lugar nem de opinião. Mas há quem fique assim por causa do amor que leva ao delírio, ou do ódio que priva a razão."
          Em "Coisas que o povo diz"  voltei, algumas vezes, às Aves e Pássaros de Agouro.
          
Sua leitura coincidiu com o meu desejo de recordar algumas aves agourentas, assim consagradas pela crença popular.
          Trago, portanto, para os meus leitores algumas dessas aves agoureiras apontadas no livro do Câmara Cascudo, fazendo pequeninos comentários.

          O galo -  Diz-se que quando canta fora de hora, tem moça fugindo. (Fugindo de quê? As moças de hoje não fogem para casar: ficam, simplesmente.
          O galo é uma ave bíblica. Aparece no episódio em que o apóstolo Pedro, num momento, dizem que de fraqueza, nega conhecer o Rabino. 
           E a lenda diz: Foi o galo - acredite quem quiser - que anunciou o nascimento do Messias. Cristo nasceeeeu! Que ingenuidade, hein?)

          A rolinha - Cascavel e fogo-apagou: seu arrulho é cantiga de velório. 
         (Eu, menino passarinheiro, não as via como aves agourentas. Criei dezenas delas nos meus viveiros. E adorava vê-las arrulhando ao cair da tarde sertaneja.)

          O anum - "É um pássaro amigo da Morte, que lhe confia os segredos das suas escolhas".  Quem lhe rouba os ovos, atrai luto para a família. ( Pelos caminhos do sertão, em plena caatinga, descobri muitos ninhos de anum. Nunca ousei tocá-los. Tinha - como ainda tenho -horror ao luto.)
 
     O urubu - Avistá-lo na comeeiras de asas abertas, não é bom sinal.  É uma ave tão amaldiçoada que, quando morre, não apodrece, simplesmente seca. (O voo dos urubus é de uma leveza inacreditável. Às vezes, parecem parados no espaço. Já observaram? Como os gaviões do Gonzaga, muitos "fazem triato no ar!)

     A coruja - É amiga íntima da Morte. Rasga a mortalha antes do cidadão morrer. Provoca arrepio quando pia no telhado. (Minha mãe, lembro-me bem disso, rezava dez padre-nossos e perdia o sono toda vez a comeeira da nossa casa era visitada por uma coruja. É verdade: seu canto rouco parece uma tesoura cortando pano.)

          O peru - Quando anda de asa baixa, está chamando mortalhas. ( No Natal, ninguém se lembra disso. Ele é o rei da ceia.)

          Periquitos australianos - Lindos, mas dão o maior atraso no mundo. Cascudo aconselha vê-los na casa alheia.
(São realmente muito bonitos. Principalmente pelo colorido de suas penas. Fazem, porém, um algazarra dos pecados, o dia todo. E haja vassoura para limpar-lhes a sujeira. Dão muito trabalho.)

      O papagaio - Quem cria papagaio, "não cresce no ter. Continua pobre". (Oh! sou louco por papagaios! Enquanto vivi no sertão do Ceará, nunca deixei de ter um.  Naquele tempo, o IBAMA ainda não existia. Palavrosos, indiscretos, inconvenientes, atrevidos, mas nenhum pássaro tem cores mais brasileiras.)

     A galinha - Tem os pés excomungados.: espalham tudo que veem pela frente; dizem que até o presépio de Jesus. Se é preta, tem prestígio no catimbó e macumbas. (Aqui em Salvador, usam a galinha nos chamdos "despachos". Vai e volta, e numa "encruzilhada" qualquer, a gente encontra uma "penosas" afogada num prato de farofa de dendê. Quando vejo, me benzo e caio fora!)

          O beija-flor - É o mensageiro da outra vida. ( Os que brincam na minha janela só me trazem mensagens alegres. ; algumas, creio, de muito longe... Chegam sem avisar. Beijam as rosas da minha varanda e se mandam. Não esperam que lhes agradeça a visita. Compreendo-os: eles têm muito a quem beijar...)

          O bem-te-vi - Dizem-no um pássaro antipático. "Tanto gritou - bem-te-vi! bem-te-vi! - seguindo Jesus na sua fuga para o Egito, que os soldados de Herodes iam-no prendendo."
          (Também ao ouvi-lo, fico desconfiado.  Todas as tardes, enquanto faço minhas crônicas, um bem-te-vi pousa no prédio ao lado, e dana-se a cantar.  Já escrevi uma crônica para ele e ele não me deixa. Olha ele ali! E eu daqui, pergunto: viu o que, bem-te-vi!)

          Tem muita coisa curiosa, interessante, esquisita sobre o pombo, a acuã, o bacurau, o tetéu, a peitica, o tincuã no livro do Cascudo. 
           Me tornaria ainda  mais chato se resolvesse falar sobre todas a aves citadas pelo excelente pesquisador.  
           Mas, afinal, que quero eu  com todo este blablabá? Muito simples: dar no meu incauto leitor a oportunidade de conhecer algumas aves tidas como agourentas. Nada mais que isso. Depois, digam que eu não avisei...
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 29/01/2009
Reeditado em 02/12/2019
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