Poltergeist

Era um grande feito. Eu e minha melhor amiga íamos ao cinema no centro, sozinhas, pela primeira vez. Eu tinha uns quinze anos na época e estava excitadíssima com esse primeiro passo rumo à independência. O filme estava passando no Atlântida que, embora fosse a maior e melhor sala de Brasília, era localizado no Conic, um centro comercial meio barra pesada, famoso pelas boates e cines pornôs. Para evitarmos riscos desnecessários, íamos a uma sessão no meio da tarde, aproveitando a luz do dia.

Pegamos o ônibus em frente à minha casa e desembarcamos ao lado do shopping. O filme: Poltergeist, o Fenômeno. Um filme de terror sobrenatural sobre uma casa assombrada por espíritos raivosos. Ao chegarmos à bilheteria, Rosane se deu conta de que não havia levado a carteirinha de estudante e o dinheiro que tínhamos não daria para a entrada inteira. Além disso, sem o documento, ela não poderia provar que tinha a idade mínima para entrar na sala.

Então, voltamos para casa, para buscá-lo e, quando chegamos ao cinema novamente, já estava escuro. A aventura ficava cada vez mais emocionante, cruzamos pelo caminho com os inivíduos tipicos daquele ambiente e, ao entrarmos na sala, já estávamos um pouco assustadas.

O filme começa tenso, a linda garotinha é seqüestrada pelos fantasmas para outra dimensão e a médium baixotinha e esquisita dá sua consultoria para que a familia consiga trazê-la de volta.

Numa das cenas, o quarto da pequena está revolto, com objetos girando para todo lado, gritos, ventania e o pai se encaminha decidido a ajudá-la, embora quase petrificado de medo. Ele pára a um metro da porta e vai levando a mão lentamente na direção da maçaneta. Neste momento, não sei porquê, no meio do meu próprio horror, achei mais graça em assustar a Rosane, hipnotizada pela tela, os olhos escancarados. Quando o sr. Freeling tocou a maçaneta, dei um cutucão nela e sussurrei um "uaahuuuu" meio gritado em seu ouvido fazendo-a pular da cadeira ao meu lado, gritando, com o coração a galope, arrancando risadas dos nossos vizinhos. Foi minha sorte. Distraída com o susto que dei dela, não vi a enorme cabeça de monstro plasmático saltando da fechadura para atacar o pobre homem, fazendo-o saltar para trás como uma gazela assustada. Revi esta cena anos mais tarde e, penso que se não estivesse me divertindo em assustar minha amiga, eu é que teria ficado com o coração em baticum a surrar-me o peito por dentro.

O filme acaba como a maioria dos filmes que tem tudo para marcar uma geração: abrindo espaço para a continuação. Ainda assim, saímos satisfeitas do cinema. No turbilhão de outros expectadores, nos encaminhamos à parada de ônibus, ainda ofegantes e agitadas.

Com a chegada dos grandes shoppings à Brasília, o Conic decaiu de vez. O Cine Atlântida fechou, tranformado em igreja evangélica. Bristol também e o Miguel Nabut cedeu à tendência erótica do local.

Neste caldeirão que envolve pornografia e igrejas, sindicados, consultórios, restaurantes, tráfico e prostituição, tatuadores e sebos, baratas, ratos e buracos, lodo, goteiras e lojas de todos os tipos passei três anos de minha vida, cursando a faculdade de teatro e canto na escola de música, convivendo com essa diversidade razoavelmente pacífica de espíritos buliçosos, crentes, artistas, estudantes, rockeiros, antenados e bicho-grilos, agarrados ao seu solo sagrado como os índios de Poltergeist, talvez esquecidos por lá desde que o filme saiu de cartaz.