9 COMUNISTA ERA O CÃO DOS INFERNOS

Ao tempo da última ditadura, no Brasil, comunista era como o cão dos infernos. Tinha até nomenclatura e epítetos – sem falar nos codinomes – de não acabar mais. Certos apelidos soavam causticamente (por ex., “vermelho” e “subversivo”). Outras designações, no entanto, pareciam feitas de lã, com o recheio de isopor (por ex., “progressista” e “avançado”). Avançado e progressista, pois não, como se quem não fizesse tal figurino fosse “atrasado” e/ou “reacionário”.

Você fosse chamado por alguém de “comunista”, em público, isto correspondia a excluir-se de pronto do convívio social. Ou, então, era excluído mesmo, como sói ser. Se o infeliz não levasse chá de sumiço de casa, logo na foz da primeira aurora – ah! – então já estaria sentenciado a não ouvir, nunca mais, nem mesmo um bom-dia dos amigos e da vizinhança. O “nunca mais” é força de expressão, lógico, mas que tiraria férias compulsórias por uma boa temporada, lá isso tiraria, desde que fosse rotulado assim: co-mu-nis-ta. Funcionavam, com maquinaria azeitada, os processos e metodologia da exclusão.

Entre variadas e eufêmicas rotulações, a exemplo do que acontecia a um comunista, ainda hoje proliferam os nomes que são dados para o satanás. Arteiro, anjo-mau, anjo-das-trevas, belzebu ou berzebu, cão, capeta, capiroto, coisa-ruim, diabo, diacho ou dianho, demo, lúcifer, tinhoso, aqui estão apenas alguns dos designativos mais comuns para se chamar ou nominar o “demônio”.

Correspondente a tudo isso, que você acabou de declinar, bastava somente dizer-se um único vocábulo: comunista. Só que, às vezes, amaciado pela formação política do usuário. Outras terminologias benevolentes do eufemismo de praxe: socialista, esquerdista, marxista-leninista (quentura!), trotskista (idem), stalinista (idem), moscovita, patriota, comuna, comedor de mingau feito de criancinhas, canhoto, ateu, herege etc., e tal e tal.

Mas, sobretudo, o que aterrorizava, mesmo, era você cair na classificação similar à do demônio, ou seja, comunista. Isto o colocaria no índex dos infelicitados. Fosse até devorador de criancinhas, ou traidor da Pátria, como diziam na gíria dos quartéis, tudo bem, vá lá, porém comunista, ah, isto nunca! Você se acomodava, sem ligar para as outras citadas provocações.

Admirável, o dinamismo da política/politicalha/politiquice. Hoje, governantes da dita burguesia, filhotes da ditadura excludente, recebem de bom grado o apoio incondicional de “comunistas” (os de siglas oficiais), que merendam pão seco na gamela do poder. Urra! Deploráveis, todavia, são os camaleões que já não têm tantas alcunhas, pois nem transmudam mais de cor. Apropriam-se do único cinza que lhes restou – o galho surrado e cinzento do oportunismo.

Fort., 02/11/2008

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 03/11/2008
Reeditado em 02/03/2010
Código do texto: T1262736
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