O JORNALEIRO

O JORNALEIRO

Quem disse que o brasileiro não é de nada?

Ontem, ao comprar o jornal, notei como o jornaleiro da Gloria estava com os olhos tristes, reclamando do caos de obras que a prefeitura fez justamente às vésperas das eleições municipais. Carlos é o seu nome, grande papeador das coisas cotidianas, bom humor, consciente dos problemas da cidade. Uma figura amistosa, um homem do diálogo e, para muitos moradores da região é um apoio compreensivo; já assisti ele “fazer conta mensal” para pessoas pagarem o seu gasto mensal ao fim do mês. Coisa assim, e ai vai também “como vai o reumatismo?” ou comenta, “já viu como estreitaram a Rua da Lapa com lixo e depósito e carroceiros... assim não dá”, afável, ficam sempre alguns debruçados sobre as revistas lendo e folheando enquanto trocam idéias e comentários pessoais. Uma coisa boa. É parte do bairro.

Preocupada, fui comprar o JB para passar-lhe uma voz de ânimo, mais do que outra coisa, e fui logo comentando, viu a notícia que o Bush chamou o Lula para conversar junto à União Européia sobre a crise mundial? Só espero que o Lula use a oportunidade com inteligência e bem assessorada, pois a palavra proferida tem que ser precisa. Vai ser em novembro.

Dois velhos senhores debruçados na banca e apreciando algumas revistas não me davam espaço. Perguntei, sabe por que vim aqui hoje? _ Achei você ontem com olhos muito tristes, desanimado. “Eu? Não, estava era cansado e esta praça em obras abandonada está um horror, e muita coisa pode acontecer”. Completei: _ Não desanime, nem perca de vista seu ponto de banca, pois que o próximo prefeito vai logo completar esta obra pra mostrar serviço, e seu ponto de jornaleiro é privilegiado, espera passar este momento de mudanças. Depois este lugar vai ter beleza e usos diversos, movimento.

Carlos deu suas explicações, várias, e sente medo de assalto ou qualquer coisa. Despedí-me. Voltei já dando uma olhada no jornal sobre este convite do Bush sobre a crise econômica mundial e consciente que o mundo inteiro está com medo, todos.

Nesta última semana, quantas mortes e violências, quanto sangue, quanto horror exposto pela mídia em fotos quase ao vivo. Esses últimos dias foram dias de bruxas mesmo, tantas pessoas tragicamente vivendo ou morrendo, muita dor, muito doloroso e sério acompanhado por todos.

É momento muito intranqüilizador mesmo. Preservar a calma, a cautela, faz-se necessário. Depois de breve intervalo continuo a saborear o jornal, detive-me num artigo “Um passo de dança” na folha A18 do JB desta quarta-feira, 22 de outubro de 2008. Escrito por Luiz Fux, hoje Ministro do Superior Tribunal de Justiça, a quem tive a honra de trabalhar, nomeada como perita judicial, em tempo que ele era Juiz se não me engano, na 9ª. Vara Cível da Capital, Rio. Trata-se de uma figura exemplar, que antigamente se usava denominar de “caráter sem jaça” como expressão mais adequada. Seu artigo é tão bom, é um trecho da palestra proferida no Instituto ETCO sobre “Segurança Jurídica e Desenvolvimento Econômico”, palavras que suavizam os batimentos cardíacos na leitura. Transcrevo algumas frases ditas pelo Doutor Luiz Fux:

O ser humano persegue a paz em todos os campos de sua vivência.

É que ausente a segurança, a paz e a estabilidade social sofrem severo abalo. A segurança, por seu turno, contrapõe-se ao novo, à mudança, fenômeno que no mundo jurídico denota significativa perplexidade. O universo humano justifica a ansiedade quanto à mudança, porquanto o novo significa a perda do passado. Essa contradição se exarceba quando se põe em xeque a “segurança jurídica e o desenvolvimento econômico”.

A realidade é que as mudanças são conseqüências de um novo mundo líquido (Bauman), no qual as idéias não se fundam mais na verdade sedimentada pelo tempo, mas antes na velocidade com que surgem e se assentam ao sabor da experimentação.

Os operadores do direito, notadamente os aplicadores nos quais deságuam todas as aberrações e misérias humanas, indagam: e a economia? O que tem de seguro a nos oferecer? No século XXI o povo assiste a destruição da segurança do egoísmo burguês, O confronto entre economia e segurança jurídica não revela vencedores; os segmentos caminham inseparáveis. A raiz desse tormentoso momento por que passa todo o mundo reside numa crise de confiança. O mundo jurídico atual proclama que é direito fundamental do cidadão a informação, na qual se funda a confiança e dela decorre a segurança. É inegável que faltou informação, rompeu-se a confiança legítima do mundo globalizado, “O mundo caiu”; o soerguimento sob o pálio da segurança é imperioso. Como fazê-lo? Doutor Fux diz que a resposta provém através da sensibilidade dos homens das letras como Fernando Sabino:

“É preciso ter a certeza de que se está sempre começando. A certeza de que é preciso continuar e a certeza de que seremos interrompidos antes de terminar. O que importa é fazer da interrupção um caminho novo, fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte e da procura um encontro”.

MLUIZA MARTINS