NADA É DEFINITIVO

Acordei naquela manhã com grandes projetos.

Tinha tanta coisa para realizar, que nem sabia por onde começar.

Lembrei de minha mãe que em sua tranqüila sabedoria sempre me falava “Comece pelo que lhe traz mais preocupação e dificuldade. Assim se livrará logo do problema”.

Foi providencial lembrar-me das palavras dela, pois logo comecei a analisar o que mais estava me deixando tensa naquele dia...

Recordei com desespero do dia anterior. Tinha dado uma bronca geral na minha turma de oitava série.

A maioria da turma deixou de trazer o trabalho que eu havia passado na outra aula . Fiquei furiosa! Falei de incompetência, falta de objetivos, malandragem, ocupar o lugar de alguém que poderia estar aproveitando mais do que eles...

Fiquei magoada, desestimulado, sem vontade de voltar àquela turma. Eram uns inúteis, sem, objetivos, nulos, inconseqüentes. ARRE! Que raiva!

Ao mesmo tempo em que fazia a penosa retrospectiva , caminhava para o ponto do ônibus . Infelizmente ia para a escola. Estava irritada só de lembrar o ocorrido.

Finalmente peguei o ônibus e por um milagre sentei. Continuei mergulhada nos meus pensamentos.

Fui chamada atenção, por vozes acima do normal. Estremeci! Lembrei logo do pior “ASSALTO”!

Jesus o teu sangue tem poder. Falei! Tinha escutado que numa hora difícil, devemos sempre clamar por Deus. Foi instintivo, quase mecânico. Apurei os ouvidos e levantei o olhar com muito medo da situação que iria presenciar!

Movi a cabeça para o lugar do falatório. Ah! Que alívio. Eram duas mulheres conversando. Parecia que não se viam há séculos . Cumprimentaram entusiasticamente.

Uma já era bem senhora, com os cabelos brancos, e o corpo um tanto arqueado. A outra tinha uns quarenta anos no máximo. Era a mais agitada.Sua fisionomia era de uma pessoa estafada pelos problemas diários.

Comecei a prestar atenção à conversa.

Não pensem que fico de orelha em pé, escutando ou tomando conta do assunto alheio, mas elas estavam dois bancos à frente do meu e também não faziam a mínima questão de serem discretas.

Inicialmente falaram sobre conhecidos. Uns já tinham falecido, outros tinham casado e alguns estavam muito bem de vida. O interessante eram as caras e bocas. Pareciam encenar uma peça, onde eram as protagonistas. Ria comigo mesma, das cenas. Com isso fui esquecendo o meu problema na escola e fui, tomando conhecimento das fofocas e à parte, eu sorria.

Num dado momento a mais senhora, que soube se chamar Clara, perguntou para Amélia, como estava a sua filha. Para quê! A dona começou a praguejar, o rosto ficou vermelho que nem pimentão. Dizia na sua cólera que a filha não tinha mais jeito. Àquela estava perdida! Só lhe dava aborrecimentos. Não fazia nada certo. Era uma incompetente. Tudo que começava parava no meio, pois não tinha força de vontade para prosseguir. Era uma inútil, sem objetivos a seguir... E que ela, Amélia, já sabia que tudo que Lívia colocasse a mão, seria um desastre, pois era ruim em tudo. Não via nenhuma perspectiva de melhora.

Isso a mulher falou quase sem respirar.

Dona Clara ficou de olhos arregalados com a resposta de Amélia! Coçou a cabeça e olhou serenamente para a pobre amiga. Disse-lhe que ela podia mudar toda àquela situação.

Amélia, cheia de certezas retrucou que era impossível mudar o definitivo. Lívia já tinha traçado o penoso destino de sofredora.

A boa e vivida anciã, falou-lhe com doçura. Disse-lhe que nada em nossa vida é definitivo. Tudo é mutável. Todos têm o direito do livre arbítrio. Podemos fazer a diferença na vida das pessoas, dando-lhes um voto de confiança. Acreditando nelas, amparando-as nas suas dificuldades e não criticando-as a todo o momento. Temos que dar-lhe a mão amiga no momento certo para que se levantem e dêem a volta por cima e assim, tomarem o rumo certo na sua existência. Falou e calou-se.

Amélia ficou pensativa por alguns segundos e concluindo, disse enfática, que a filha não tinha o que melhorar. Estava no fundo do poço.

Clara, na sua calma frisou à amiga que falando desse modo só reforçava aquela falta de vontade da sua filha em não tentar, pois já era uma derrotada antes de entrar na luta.

Tinha que falar de modo positivo. Mostrar com exemplos que nada é de todo, ruim. Tiramos sempre uma lição de vida. Tem sempre uma luzinha, mesmo que muito fraca, no fim do túnel...

Disse ainda com convicção de uma guerreira que o amor e a compreensão são o segredo de muitas alavancadas na vida.

Ficaram caladas por instantes.

Eu as olhava como perguntando pelo final daquela conversa. Será que a boa Clara tinha conseguido mudar aquela cabeça dura e o sentimento de resignação que ela já levava no próprio nome. Seria como na letra da música, uma “Amélia” derrotada? E pior, que transmitia isso à filha?

Foi quando me detive em Amélia e vi que escorriam algumas lágrimas pelo seu rosto

Clara, como um anjo de candura, envolveu-a num abraço emocionante, como se quisesse abarcar todas as preocupações da amiga.

Senti que não era só eu que observava a cena, pois vi algumas pessoas enxugarem lágrimas que teimavam rolar pelas faces, igual a mim.

Foi quando Amélia foi afrouxando os braços e olhou fixamente para Clara, dizendo lhe que aquele encontro não tinha acontecido por acaso. Deus tinha algo de novo e maravilhoso para realizar em sua vida. Colocando-a no seu caminho para que pudesse ajudar a ela e a sua filha. E com a voz ainda embargada pelo choro, disse-lhe que tentaria e que valeria a pena. Ia acreditar que tudo poderia ser mudado com persistência, compreensão e muito amor.

Abraçaram-se novamente, mas agora era só alegria.

Quase aplaudi, mas fiquei na minha.

O semblante de Amélia iluminou-se em um lindo sorriso. Acho que há muito a alegria não visitava aquele rosto sofrido.

A bela anciã tinha um ar tão tranqüilo que parecia a aura de um anjo e contagiava a todos. As duas mulheres saltaram do ônibus em um ponto à frente.

Mergulhei no meu interior como se agradecesse o que tinha presenciado. Repensei a situação do dia anterior com outros olhos: os do amor e da compreensão, de que a boa Clara tanto falou, e resolvi dar-me uma chance de melhorar como pessoa e ajudar os meus alunos que estavam na mesma situação de Lívia:

“MAIS PERDIDA QUE CACHORRO QUANDO CAI DA MUDANÇA!”