memórias em saquinhos

Peixes, de várias cores e tamanhos, dentro de saquinhos com água, pendurados em barras de ferro de uma barraca. Um ou outro olhar curioso sobre eles, alguns petelecos e sacudidelas também, a maioria feitos por crianças. Em alguns saquinhos via-se também caranguejos, caramujos, lagostas, camarões e até rãs! Isso tudo era o meu cenário preferido de domingo. A banca de peixinhos da feira lá perto de casa.

Eu acordava todos os dias cedinho para a escola. Seis da manhã, segunda a sábado. Domingo, quando deveria compensar, acordava no mesmo horário e já ia para a feira com meu pai. Ele levava uma sacola grandona para caber tudo - legumes, verduras, frutas -; eu, uma pequena, em que caberiam dois ou três saquinhos com peixes. Só isso porque, infelizmente, meu aquário era pequeno.

O Turco - apelido do dono da barraca que eu pensava ser o nome, pois só bem mais tarde fui descobrir que ele era da Turquia - era gente boa, sempre passava a mão na minha cabeça, me ensinava os nomes dos peixes e dava um desconto também. Meu pai costumava censurar uma compra ou outra “não, Diogo, esse é muito grande pro aquário”, “não, esse é muito feio”, “não, esse vai atacar os outros”. Eu, não tendo o que fazer, obedecia e me conformava, até porque ele estava certo e nosso orçamento não era dos melhores para tais compras.

Numa das primeiras vezes em que fiz minha feira, cheguei em casa e, imediatamente, joguei os peixinhos no aquário. Horas depois, eles morreram. Não entendi bem o porquê, mas meu pai disse que foi um choque térmico. Uma vez eu entrei no quarto com ar-condicionado todo suado, então papai me disse que eu deveria tomar cuidado, senão

levaria um choque térmico. Entendi. Não sabia que meu aquário tinha ar-condicionado, e muito menos que ar-condicionado matava. Concluí criançamente, diga-se de passagem.

Meu pai, impaciente, disse que não tinha ar-condicionado algum no aquário, e não soube me explicar como é que os peixes sofreriam então o tal choque. Disse também que eu não precisava temer pela minha vida, que era só não entrar todo suado, quente em ambientes refrigerados. Me ensinou também que deveria colocar os saquinhos com os peixes recém-chegados dentro do aquário, assim não correriam mais risco de irem parar na privada - era isso o que eu fazia com os cadáveres quando não os levava para a escola no intuito de perturbar os colegas, principalmente as meninas.

Acidentes como o que descrevi não eram a única causa de mortes lá em casa. Uma vez comprei um tal peixe-espada. Laranja, com uma cauda pontiaguda. Bem bonito. Mas aí o filhodaputa ficou beliscando o tempo todo um peixe carpa lindo que eu tinha. Todo malhado, grande até. O que eu fiz? Peguei o maldito, coloquei em um pote de margarina vazio e coloquei no congelador. Pensei que ele aprenderia a lição depois dessa, mas ele acabou não aprendendo nada, já que acabou no vazo da samambaia. Enterrado. É, de tanto eu jogar peixe morto na privada, ela entupiu.

Um domingo eu enchi tanto a paciência do meu pai que ele deixou eu comprar uma lagosta pra colocar no aquário. Uma pequena. Resultado: dois peixes mortos, esquartejados, e um outro deficiente, com uma nadadeira amputada sem dó nem piedade. Acho que a Disney se inspirou nessa história ao fazer o Nemo deficiente, aposto. Como minha mãe tinha comprado um microondas por aqueles dias, coloquei a infeliz num prato e um minuto lá dentro. Mais uma pra samambaia. Até porque o gosto não era dos melhores.

Meu pai descobriu a pena de morte por mim imputada e falou pra cacete. Disse que eu estava jogando dinheiro fora e blá blá blá. Me disse que em um próximo ataque, eu deveria colocar o infrator em um pote separado, nada de mais mortes.

Minha mãe era contra o aquário lá em casa. Falava sempre que era dinheiro gasto à toa. Dizia sempre que no inverno os peixinhos acabariam morrendo. Realmente, quando chegou o inverno alguns morreram, sim. Eu, desesperado, esquentei uma boa quantidade de água e coloquei no aquário. Alguns peixes que eu gostava mais coloquei numa panela e esquentei no fogão mesmo. A moça que trabalhava lá em casa começou a dizer que tava sentindo um cheiro de peixe cozido. Ai, ai... mais três para a samambaia.

Eu nunca pesquei na vida. Como sempre morei numa área urbana, nunca tive um rio limpo e perto de casa à disposição. Um dia então amarrei uns alfinetes numa linha e joguei no aquário. Um peixe carpa, grande, engoliu e não conseguiu botar pra fora. Eu o tirei de dentro da água com a mão e com um ímã tentei puxar o alfinete. Não consegui. Então, peguei uma tesoura e o abri para tirar o alfinete. Terminada a cirurgia, consertei tudo com cola e um band-aid. Er... preciso dizer mais alguma coisa?

Foi menor pior quando resolvi pescar amarrando chocolates granulados numa linha bem fina. Acho que foi aí que a diabetes chegou ao reino dos peixes. Minhas vitaminas à base de ferro também iam parar no aquário. Resultado: peixes bombados e com zero possibilidade de anemia.

O aquário já estava ficando pequeno para tanto peixe e para a minha paixão por eles. Não tínhamos dinheiro e nem espaço para um maior e mais equipado. Meu pai dizia que quando ganhasse na Sena, moraríamos numa casa com uma fonte, um lago ou um chafariz, em que eu poderia colocar quantos peixes eu quisesse e até patos. Ele nunca ganhou na sena. Meu aquário continuou sendo aquele pequeno. Um dia ele quebrou, do nada.

Mas...

Chegamos a ter um aquário lindo, bem grande, onde eu passava boa parte das manhãs curtindo meus bichinhos de estimação como se fossem um desenho animado. Um aquário quadrado, quase 100 litros, com limpa-fundo, limpa-vidro, japonês, carpa...

:)