Escrever
               sobre o trivial



         Escrever sobre o trivial, sobre o corriqueiro é dever de um bom cronistas. Por isso, não estranhem ao vê-lo catando nos jornais, nas revistas, nas tevês, nas ruas, nas igrejas e até nos bordéis um assunto qualquer para escrever suas crônicas.
        A rigor, ele não está obrigado a produzir extensas páginas literárias. O cronista escreve simples; para o povo; usando a linguagem do povo. Quer ser lido e entendido.  Sem esquecer, contudo, as regras básicas da gramática.
          Nossos maiores cronistas buscavam no seu dia a dia, no cotidiano, a seiva necessária para irrigar suas  melhores obras. Foi assim com Drummond, Manuel Bandeira, Artur da Távola, Nelson Rodrigues, Humberto de Campos, Rachel de Queiroz e Rubem Braga, o "sabiá da crônica". Festejados cronistas contemporâneos fazem o mesmo.
          Nas minhas andanças pelas redações, conheci um jornalista que, com sua Rolleiflex a tiracolo, varando madrugadas, corria a cidade inteira a procura de um tema para sua crônica. 
         Quando o descobria, entrava no primeiro boteco, pedia uma cervejinha, e, no manuscrito, produzia uma belíssima crônica em cima daquilo que podia parecer um fato ou caso insignificante. No dia seguinte, ela era publicada no seu jornal, com uma surpreendente foto a ilustrá-la.
          Na crônica, seu título é muito importante; tanto quanto a manchete da primeira página de um jornal. Um experiente jornalista com quem tive o prazer de trabalhar, dizia-me, cigarro no canto da boca, que a manchete vende o jornal.
          Deem a uma crônica um título inexpressivo, e ela estará fadada a não ser lida , independente da robusteza do seu conteúdo; do seu atraente enredo; do valor do cronista que a escreveu. 
          Uma das crônicas mais fuleiras que escrevi terminou sendo uma das mais lidas, graças ao título que, num momento de rara inspiração, lhe dei.
         Mas sempre que toco neste assunto, ou seja, de como escrever crônicas, lembro-me de Machado de Assis; ou do que os livros dizem sobre Machado, não o romancista, o consagrado contista, mas o cronista.
         Acabo de ganhar de Lia Jucá, minha nora, o livro intitulado Almanaque - Machado de Assis, da lavra do escritor Luiz Antônio Aguiar.   Ele traz, além de muita coisa sobre a vida e a obra do nosso Bruxo, "curiosidades e bruxarias literárias" a ele atribuídas. Excelente livro!
          Detive-me, claro, no capítulo que trata do cronista Machado de Assis. Nesse capítulo, o autor de Almanaque  ressalta  que o Mestre de Esaú e Jacó  escrevia suas crônicas de "maneira elegante, sutil" e que "em grande parte delas, partia de episódios cotidianos, de questões que estavam preocupando a cidade, de fatos que eram comentados nas ruas e lares..."
          Por isso, se me virem a escrever crônicas sobre o trivial, sobre o corriqueiro, sobre fatos e causos aparentemente banais, saibam que, ao redigi-las, miro-me no exemplo deixado pelo nosso maior cronista.
         Sem, claro, a pretensão de querer alcançá-lo na sua prosa maliciosa, surpreendente e de inigualável sabor literário.           Seguir-lhe as pegadas é dever de quem gosta de escrever crônicas...

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 21/08/2008
Reeditado em 24/10/2019
Código do texto: T1139427
Classificação de conteúdo: seguro