Até quando retratos

Particularmente, quando comecei, não sabia se iria gostar.

Era muito equipamento e tecnologia para minha mente retrógrada de futura redatora.

Afora toda a minha insegurança como mulher, que faz com que eu me sinta a última das criaturas que alguém pode querer clicar. Se não gosto de ser fotografada, como poderia fotografar?

Cedi ao desafio, e é aí que vem o segredo que gostaria de revelar: quanto mais vejo o sofrimento dos fotógrafos da “National Geographic”, mais me sinto apaixonada pela arte.

A maior dor é não ter uma câmera na mão sempre que necessário. Certa vez estava em uma vila muito mal conceituada da cidade de Viamão, região metropolitana de Porto Alegre. Só que ao horizonte, da rua onde subia, dava para ver o campanário de uma Igreja construída no início do século passado por detrás de umas árvores. Garanto que se houvesse retratado, e mostrado sem dizer de onde avistava, haveriam pessoas que questionariam se estive na Europa. Aquela imagem diria que uma cidade quase esquecida tem potencial histórico, depende apenas quais são os olhos que a observa.

Através de imagens podemos revelar fantasias nunca antes conhecidas pelos olhos alheios. Podemos mostrar realidades, estando ali registradas de forma concreta. Momentos passam, e se não forem registrados, nunca mais serão vistos, assim como os olhinhos inchados de um bebê que recém nasceu.

Todos os dias estamos diante de retratos, aquelas fotografias que mostram cenas reais. Algumas exalam o prazer do momento em que uma criança prova um sorvete pela primeira vez. Outras, a dor de quem tem que vender o corpo para alimentar os irmãos. E tem até as que nos informam, como a do único momento em que um político abre a boca surpresa ao ver-se desmascarado por uma CPI. E o repórter fotográfico está ali, enquadrando o rosto dele atrás de uma pilha de processos que estão sendo colocados sobre a mesa pelo adversário. Que momento! Mãos, papéis e “cara de tacho”...

Retratos da família, para matarmos saudades. Retratos dos amigos para um site de relacionamentos. Retrato de um amor, para lembrar. Retrato de uma paisagem para exibir. Retratos de um pai chorando sobre o corpo morto de um filho que ao defender a vida de outrem pereceu; para refletir. Retrato de fome, retrato de um menino etíope tentando sugar o leite do seio da mãe que não resistiu, e ele nem percebeu. Retrato de uma jovem de grande talento usando “crack”. Retratos de chacina. Retrato de assaltos, de violência, de atentado violento ao pudor. Retrato de um pequeno menino segurando uma chupeta com uma mão e um cigarro com a outra. Retrato de um grupo de crianças que espia atordoado pela janela de um salão de festas o outro grupo de crianças que revira o lixo, procurando os restos de seus brigadeiros.

Posso estar apaixonada, mas não acredito em amor cego. Até quando seremos obrigados a fotografar desgraças?

(Reflexão sobre as aulas de Fotografia, Fotojornalismo e Semiótica, do professor Rogério Soares-Centro Universitário Metodista do Sul, POA.)

Caroline Garcia- Segundo Semestre do curso de Jornalismo, em 19/08/2008.

Caroline Garcia Cruz
Enviado por Caroline Garcia Cruz em 19/08/2008
Reeditado em 19/08/2008
Código do texto: T1136173
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.