Meu velho cajueiro
 


     1. Todo mundo, de repente, tem uma árvore que lhe diz alguma coisa ou lhe traz saudades...
Fulano, é uma mangueira; sicrano, uma amendoeira; beltrano, um florido flamboayant. E por aí vai.
     
2. Carrego comigo a lembrança de um frondoso e elegante cajueiro. Foi um amigo inseparável nos tempos de minha alegre e feliz infância, já tão distantes. Sempre tive vontade de dedicar-lhe algumas linhas. Volvidos tantos anos, faço-o, agora.
     
3. Crescemos juntos. À sua sombra ouvi e criei dezenas de passarins sertanejos. No mês de outubro, ele virava um buquê de flores. E, nos seus fornidos galhos, sabiás, graúnas, periquitos e jandaias vinham descansar. Esses pássaros, em demorados gorjeios, pareciam anuiciar a chegada dos deliciosos cajus.
     
4. Minha mãe colhia-os delicadamente e fazia o melhor doce de caju do mundo. Meu pai cuidava do suco. E dizia entusiasmado que o caju era uma fruta rica em cálcio, ferro, fósforo, zinco, magnésio, proteínas, lipídios e carboidratos. O velho aconselhava-me a bebê-lo, provando-o antes.
     
5. Era vê-lo, e eu imediatamente recitava os versinhos do poeta Casimiro de Abreu: - "Cajueiro pequenino,/ Carregadinho de flor,/ À sombra de tuas folhas/ Venho cantar meu amor,/ Cajueiro pequenino,/ Carregadinho de flor."
     
6. Se nos encontrássemos hoje, ele me teria com o rosto marcado pelos anos; grisalhos os  cabelos e a barba também. Mas saberia que eu não o havia esquecido.  Soube que ele fora derrubado e que, no seu lugar, construíram uma manção. Qui pena!
     
7. O cajueiro, como nós, lá do Nordeste, é pequenino e forte. Autorizadas pesquisas informam que sua altura não vai além de 10 metros. Excepcionalmente chega a 20 metros.
     
8. Não é uma árvore como outra qualquer. E não digo isso porque sou do Ceará, onde o pé de caju nasce inté nas terras mais inóspitas do heróico Estado cabeça-chata. Digo porque o cajueiro sempre mereceu dos melhores cronistas e dos mais inspirados poetas doces e imortais páginas.
     
9. Humberto de Campos, por exemplo, escreveu Um amigo da infância, comovente crônica  sobre o cajueiro que ele, menino, plantou no quintal de sua casa, em Parnaíba, simpática cidade do Piauí. Só um trechinho. (...) "meus olhos descobriram  no chão... uma castanha de caju que acabava de rebentar, inchada, no desejo vegetal de ser árvore."
     
10. Mostrou a castanha a sua mãe, e dela ouviu: "Planta, meu filho... Vai plantar..." Plantou e o cajueiro foi crescendo com ele.
     
11. Mas Humberto teve que deixá-lo porque se  mudou para o Maranhão. Levou-lhe, assim, o seu adeus: "Abraçando-me ao seu tronco, aperto-o de encontro ao meu peito. A resina transparente e cheirosa corre-lhe do caule ferido. Na ponta dos ramos mais altos abotoam os primeiros cachos de flores miúdas e arroxeadas como pequeninas unhas de crianças com frio. Adeus, meu cajueiro! Até a volta!"
     
12. Tão bela é essa crônica do autor de Sombras que sofrem que deveria tê-la transcrito na íntegra. Estaria relembrando o meu velho cajueiro e ao mesmo tempo homenageando Humberto de Campos, um escritor injustiçado: as Editoras esqueceram-no totalmente. Hoje, seus livros, todos escritos com o coração na ponta de sua prodigiosa pena, só são encontrados nos sebos. Lamentável, né mesmo?
 
     

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 15/07/2008
Reeditado em 23/09/2019
Código do texto: T1081812
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