Luiz Gonzaga e a toada 
                  Asa Branca


      
                    Luiz Gonzaga, 
                  sua sanfona e sua simpatia.   
                                                Paulo Gracindo

   Só vi Luiz Gonzaga uma vez. E rapidamente.
   Em um desses junhos, encontrei-o, na companhia de Carmélia Alves, no Aeroporto de Salvador. Íamos pro Nordeste: ele para o Recife e eu pra Fortaleza.
     Embarcamos, infelizmente em aeronaves diferentes. Ele em um avião da Varig e eu em um avião da Vasp.

   Ouvi os primeiros baiões do Gonzaga quando eu tinha, se a memória não me trai, doze ou treze anos.  Onde? No alto sertão do Ceará, no são-joão de 1947, lá no Iguatu.  Exatamente quando apareceu, arrasando, a toada Asa Branca.
    Me recordo que o fanhoso serviço de auto falante da minha inocente cidade sertaneja programava Asa Branca de manhã, de tarde e de noite.
    As apaixonadas "mensagens sonoras" incluíam, invariavelmente, a chorosa toada do velho Lua como "um presente musical" de fulana pra fulano, e vice-versa.
    Foi a partir de 1947 que me tornei um ardoroso fã do Luiz Gonzaga. Para alegria do meu pai: o velho entrava em êxtase quando ouvia o sanfoneiro de Assum preto abrir o fole e soltar a voz.
    Nossa admiração, minha e do meu pai, pelo Rei do baião era ainda maior porque um dos melhores parceiros do Gonzaga, Humberto Teixeira, era nosso conterrâneo.
    Humberto, o doutor do baião, nasceu em Iguatu, cidade distante 380 quilômetros de Fortaleza, no dia 5 de janeiro de 1915;  e morreu, quase esquecido, no Rio de Janeiro, em 3 de outubro de 1979.
    Era filho de João Euclides Teixeira e de Lucíola Cavalcante Teixeira. A família Teixeira, me dizia minha mãe, "adorava um garotinho chamado Felipe". 
    Humberto Teixeira desembarcou no Rio em 1930. Formou-se em Direito, continuou compondo, dando  preferência ao ritmo nordestino. 
    Casou-se. Do seu casamento com Margarida Teixeira nasceu a atriz Denise Dummont, que foi mulher do ator Cláudio Marzo. 
    São estas as suas composições em parceria com o amigo Gonzagão: Baião, Xanduzinha, Qui nem giló, Paraíba, Estrada de Canindé, JuazeiroRespeita Januário, No meu pé de serra e Asa Branca.

   Toda música tem  sua história. História que nasce depois de demoradas e criteriosas pesquisas. 
    A toada Asa Branca também tem a sua. 
     Fui econtrá-la em Vida de viajante-A saga de Luiz Gonzaga, livro da escritora Dominique Dreyfus, um primor de biografia.
    Como nasceu, então, Asa Branca? 
    Aproximando-me ao máximo da versão dada por Dominique Dreyfus, direi, a seguir, como aconteceu.
    (Com isso - e este é o meu principal objetivo - desejo, nos dias que antecedem aos festejos do são-joão, prestar uma  homenagem ao Rei do Baião e à bela asa branca, diria, um pássaro-símbolo do valoroso sertão nordestino.)
     A toada Asa Branca - pasmem! - não nasceu no coração da caatinga, mas no coração do Rio de Janeiro, em março de 1947.  Como?  Gonzaga cantarolou para Humberto Teixeira o que eu chamaria de prelúdio musical da bonita toada.
    Admitindo ser uma música muito lenta, o próprio Gonzaga, no primeiro momento,  não acreditou que Asa Branca viesse a ser um grande sucesso.
    O violonista Canhoto, que acompanhava o forrozeiro pernambucano, chegou a chamar a toada de "música de cego".
    Humberto Teixeira ouviu tudo, deu à toada os retoques necessários, afastou as críticas, e profetizou: 
   "Tome nota, isso aí vai ser um clássico." 
   E não deu outra. Asa Branca é sucesso há mais de 60 anos, dentro e fora do Brasil. Entrei, certa ocasião, numa loja de CDs em Nova York, e, na seção de música brasileira Asa Branca estava entre as mais vendidas. 
 
    Vou passar o são-joão no sertão de Pernambuco. Lá o forró é pra valer. Tem sanfona, triângulo e zabumba. Nada de guitarra.
    Às margens do São Francisco vou comer um surubim na brasa, antes que ele desapareça em conseqüência  da infame transposição das águas do Velho Chico.
    Vou para Petrolina. Foi em Petrolina que, na década de 1960, vi, bem de pertinho, as primeiras asas branca.  Dei-lhes de comer com minhas mãos, ouvindo o seu arrulho rouco... 
     Espero reencontrá-las, e como há 48 anos: imponentes e faceiras. Sei lá...  De repente, predadores atrevidos começam a destruir seus ninhos e a expulsá-las do seu mato, do seu céu. Sem a sombra acolhedora dos juazeiros, elas deixarão, para sempre, o sertão.

                       
          Nota - A toada Asa Branca foi "eleita pela Academia Brasileira de Letras em 1997 como a segunda canção brasileira mais marcante do século XX, empatada com Carinhoso, o choro que Pixinguinha compôs em 1917, e seguida apenas de Aquarela do Brasil, composta por Ari Barroso em 1939."
        



      
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 15/06/2008
Reeditado em 10/02/2014
Código do texto: T1035231
Classificação de conteúdo: seguro