Na contramão

Os carros passam. Muitos carros pelas ruas da cidade. Apressados. Eles vêm e vão. Além dos carros, o burburinho das pessoas. Apressadas. Elas vêm e vão. Muitos destinos. Muitos caminhos.

Todos cumprem o seu papel, cumprem as leis, seguem as regras, as imposições.

Eu me afasto da multidão, me perco, fico alheia a eles. Me olham esquisito, com olhar de reprovação.

As pessoas se fecham dentro de suas bolhas, se escondem atrás dos vidros escuros. Não querem ser vistos e não querem ver. Se esquecem de dizer bom dia, obrigado e me desculpa. A agenda não deixa, os compromissos falam mais alto. Ele não pode parar um minuto pra conversar, afinal um minuto é precioso e além do mais “tempo é dinheiro”.

Perto dali um mendigo na calçada, uma criança no sinal. Ele não vê, não tem tempo. Mais adiante um senhor anda devagar, com dificuldade. Um homem procura algo na lixeira. A árvore perde suas folhas. Um cachorro foi atropelado. Ele olha e pensa: o que eu posso fazer? Nada. E logo desvia o olhar. Finge que não viu. Não quer presenciar aquilo. Mas não é só ele que não vê; ninguém vê.

As pessoas continuam o seu trajeto, com passos rápidos. Os carros também continuam seu ir e vir constante e incessante. Surge um carro na contramão. Não, não é um carro. Sou eu. Venho na direção contrária, destoando da multidão. As pessoas me olham atravessado. Ouço palavras de repressão. Será que estou certa? Será que todos os outros estão errados? Isso me parece improvável, mas continuo. Ouço alguém dizer que eu preciso entrar na pista certa, que eu não posso andar na direção contrária. Me recuso.

Eu prefiro ser uma estranha a ser como os outros.

Carla B
Enviado por Carla B em 29/05/2008
Reeditado em 16/01/2012
Código do texto: T1010607
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