A Lenda do Porco da Pacuera

Eram dois amigos,

Aventureiros do sertão,

De uma amizade tão grande,

Que pareciam até irmãos

Não havia dois amigos,

Como Clodoaudo e Zecão.

Zecão tinha a fama,

De ser o mais corajoso,

Clodoaldo por sua vez,

De ser o mais medroso,

Mas mesmo na diferença,

Completava um ao outro.

Na quarta - feira de cinzas,

Foram fazer uma espera,

Lá na Serra do Espinhaço,

Numa caçada de Vera,

Pois dizia pro outro:

- Lá tem anta e até gazela.

O povo assim falou:

- Ó seus dois abestalhados,

A quarta - feira de cinzas,

É dia pra ser guardado,

- Não pode caçar não,

Seus descabeciados!

Sem bater a passarinha,

Começaram a ajeitar,

O atrativo da espera,

No jumento um jacá,

E uma garrafa de café,

Para o sono espantar.

Chegando então na mata,

Da Serra do Espinhaço,

Montaram um trepeiro,

E uma árvore lá no alto,

Com cascas de mandioca,

Pra atraí o esperado.

Mas o tempo foi passando...

E já ficando sem café,

Com a fome apertando,

E no galho um caburé

Agourando os dois amigos,

“Ô, Clodoaldo, Ô, Zé!”

Clodoaldo então falou:

Já meio encabreado:

– Zecão já ouvi dizer,

Que esse vale é assombrado,

Com jente que sumiu,

E jamais foram encontrados!

– Que ê isso, Clodoaldo!

Acreditando em assombração,

É só conversa dessa gente,

Que não tem ocupação,

Deixa comigo, nego véi,

Não esquente o facho não!

Esperam que esperam,

Com a fome a apertar,

Pois nem mesmo um saruê,

Deu às caras por lá,

Desarmaram então as redes,

Pra armar em outro lugar.

Puseram - se a caminho,

Sob a luz do lampião,

Mas acabaram é variados,

Em meio à escuridão,

– Fique atento é com as onça!

– Exclamou assim Zecão!

Um pouco mais à frente,

Numa área descampada,

Viram ali no meio dela,

Uma coisa arqueada,

Que no lugar da cabeça,

Era só fogo e brasa.

– É a mula-sem-cabeça!

Clodoaldo exclamou,

– Deixa de ser medroso!

Zecão então atalhou,

E com o lampião à testa,

Foi lá e averiguou.

Pôs - se então a sorrir,

Sorrir que nem um doido:

– Há Há Há Há Há!

É só um pedaço de toco,

Com uma labareda no alto,

Bem em cima no topo!

Continuando por fim viram,

Uma choça abandonada:

– Ela bem há de servir,

Para uma pernoitada,

Melhor que virá cumê,

De uma onça esganada.

A choça era só o casco,

No canto um fogareiro,

Um colchão velho enrolado,

Muito sujo, um bacheiro,

Com uma foto de um homem,

Encaixada no palheiro.

Armaram as suas redes,

E adentraram na madrugada,

Porém o sono não vinha,

Devido a fome lascada,

Caçaram o que comer,

Porém não acharam nada.

Foram para os fundos,

Viram ali uma pocilga,

E sabe o que encontraram?

Fussura fresquinha da silva!

Assaram no fogareiro,

E mandaram pra barriga.

Assim mais satisfeitos,

Com os bucho já forrados,

Foram então dormir,

Um pouco mais aliviados,

Pelo menos não acordariam,

Como estando amarrados.

Já na hora morta,

Clodoaldo despertou,

Com os gritos lá de fora,

Que de medo até peidou,

Olhou para Zecão,

E tremendo gaguejou:

– Zecão... ô, Zecão...

A gente foi cumê a fussura,

Agora tá aí o bicho,

Vindo cobrar a mistura,

Zecão porém falou:

– Deixa de frescura!

Depois de um certo tempo,

Zecão também suntou,

Os gritos lá de fora,

E pela fresta ele olhou,

Os gritos eram tão feio,

Que Zecão também peidou.

“Ai, minha pacuera,

Minha pacuera,

Minha pacuera!

Ai, minha pacuera,

Minha pacuera,

Minha pacuera!"

Os jumentos relinchavam,

Com a coisa lá fora,

– Cruz-credo! Deus do céu!

Mande esse troço embora!

E os gritos da criatura,

Continuava mata afora.

"Ai, minha pacuera,

Minha pacuera,

Minha pacuera!

Ai, minha pacuera,

Minha pacuera,

Minha pacuera!”

O que for que seja aquilo,

Tinha olhos como brasas,

Com presas gigantescas,

E a boca fumaçava,

E o apuro dos caçadores,

Apenas começava.

Era um porco gigantesco,

Que a choça circundava,

E Zecão e Clodoaldo,

Que de medo até rezava,

Era um fedor de fato podre,

Que o bicho exalava.

De repente a criatura,

Começou a chafurdar,

O focinho pela fresta,

E começou a adentrar,

Ao virem a cara do bicho,

Foi um pega-pra-capar!

Desabaram porta afora,

Para o rumo dos jumentos,

Que só tinha as cabeças,

– Nossa Senhora do livramento!

– O que vamos fazer agora!?

– Ó, que arrependimento!

– Corre, homem de Deus!

Corre pra mata adentro,

Se não quisé virá cumê,

Desse porco sanguinolento!

– Ô, Clodoldo, Ô, Zé!

Era o caburé agourento!

Viram então uma árvore,

E subiram de barrigada,

Era uma paineira, rapaz!

Puro espinho, farpada!

Mas o medo era tão grande,

Que nem sentiram nada.

Ficaram então trepados,

O porco embaixo gritando,

Rodeava de um lado pro outro,

Gritando e atocaiando,

E Clodoaldo e Zecão,,

Lá em cima se cagando.

Ao surgir os primeiros,

Raios da aurora,

Parece que enfim,

A besta foi embora,

Os dois se entreolharam,

– Eu que não desço agora!

Continuaram na árvore,

Não querendo arriscar não,

Só depois de sol a pino,

Desceram pois então,

E desabaram na carreira,

E meio à vegetação.

Quando chegaram em casa,

Contaram o acontecido,

De como quase morreram,

Por aquele porco maldito,

– A valência é que meu corpo,

É fechado e benzido!

Um senhor de Cruz das Almas,

Que atendia por Elpídio,

Disse aos dois aventureiros:

– Esse causo é conhecido,

Se ouve até hoje falar,

Desse porco possuído.

– lsso tudo começou,

Há muito tempo atrás,

De um tal homem possuído,

Que andava nos milharais,

O cabra todo cortado,

Que andava até pelado,

Pelas covas e matagais...

Trecho extraído do Cordel:

A Lenda do porco da Pacuera

Disponível na íntegra na

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