FILHO DA NATUREZA
Silva Filho
(Reapresentação)
 
 
 
Eu sou filho do sertão
Sou a vida na secura
Sou vaqueiro e sou peão
Criado com rapadura
Comendo arroz com feijão
Só falta mesmo a cultura.
 
Sou alegre, sou liberto
Nada tenho a reclamar
Meu chão é quase deserto
O sol quente a me queimar
Mas meu coração aberto
Diz que aqui é o meu lugar.
 
Na seca, vejo o arroio
Sem ter água pra levar
No campo falta o aboio
Não há gado pra tocar
Mas depois vem o apoio
Que o céu não deixa faltar.
 
Já vi morrer meu roçado
Já vi mato cor de chão
Um curió desgarrado
Que perdeu sua direção
E um jacaré amuado
Por falta de habitação.
 
Sou Filho da Natureza
Sou mais forte que a dor
Deus me deu a fortaleza
Juntamente com o amor
Quando falta a correnteza
Tem por trás algum fator.
 
Eu sou filho do orvalho
Sou a água na ribeira
Um solitário canário
No alto da ribanceira
Eu sou o próprio fadário
De quem nasceu na poeira.
 
Sobre um chão esturricado
Meu labor é mato afora
Depois do café coado
Vou saindo, vou-me embora
Só tem gado, se tem prado
Mas quem sabe, faz a hora.
 
Eu sou filho da nascente
Que secou com o calor
Eu sou o som do Repente
Que fascina o Cantador
Eu sou do verso a semente
Que traz no estro o fulgor.
 
Eu sou a própria aridez
Onde a vida se entranhou
Resistente é minha tez
Que o sol já calejou
Se chover no outro mês
Valeu pra quem esperou.
 
Meu sertão, é minha sina
Eu sou parte do agreste
Aqui mi’a verve atina
Olhando de leste a oeste
Aqui o meu verso opina
Falou um Cabra da Peste.