Sina do errante (Tributo a João Cabral de Melo Neto)

Siga firme, retirante

Fugindo da seca braba

Que terras de Caatinga

Consomem tua pouca baba

Marche por Capibaribe

Quiçá, o Paraíso exibe

No mar, Pernambuco acaba

Serão léguas de distância

Em terras de Juazeiro

De Aroeira e Mandacaru

Bioma puro brasileiro

Como mostrou João Cabral

Em tua obra visceral

É por tua conta, parceiro!

Adiante foragido

Já que é esta tua escolha

Morte está sempre à espreita

A teu redor, mata sem folha

Assim como teus iguais

Por conflitos sociais

Caíram por minha fé caolha

Muitas léguas de distância

Dominadas por serpentes

Com sorte um magro gambá

Fazer-te lamber os dentes

Água escassa vai te judiar

Meia volta vai lamentar

Aqui é terra de Sol candente!

Passe bem longe, errante

Se encontrar gleba cercada

Severino de Maria

Já deixou a nação avisada

Vai conhecer Morte mais cedo

Se avançar a grade sem medo

Aos vinte, vida abreviada

Siga as léguas de distância

Até chegar em Zona da Mata

Chafurde no manguezal

Peça esmola a um de gravata

Acreditou no Paraíso

É Recife, pra teu juízo

Não seja pessoa ingrata!

Agora quieto, forasteiro

E implore um subemprego

Nem seca, nem coronel

O fizeram pedir arrego

Em palafitas terá vaga

Sou Latifúndio, tua chaga

A favela é teu aconchego

Não há mais léguas distantes

Preso está à grande cidade

Ganhaste uma sobrevida

No rol da mortalidade

Se não levantar a voz

Que incomode o Estado algoz

Talvez chegue a meia idade!

FERNANDO NICARAGUA
Enviado por FERNANDO NICARAGUA em 02/05/2020
Reeditado em 02/05/2020
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