O CARREIRO E O CARRO DE BOI
Roça agora tem energia,
telefone e televisão.
Peão campeia com moto.
Cavalo não arreia mais não!
E com tanta novidade,
que só tinha na cidade,
vai morrendo a tradição!
A moçada de hoje em dia
tem tanta facilidade!
Rompe a estrada asfaltada,
e, ligeirinho, chega à cidade.
Só vê moto roncando
e automóvel circulando
com pressa e comodidade.
Mal sabe que no passado,
pelas poeirentas estradas,
entre poças e lameiras
ou trincheiras esburacadas,
os carreiros circulavam
e muitas léguas cruzavam
levando as cargas pesadas.
menino nascido na roça,
e criado afeito ao trabalho,
sabia o que era cambota,
sabia o que era gastalho,
sabia o que era o meião,
o canzil e o cocão,
a chaveia e o cabeçalho.
O carreiro labutava
no sereno da madrugada.
Enquanto o galo cantava
e trinava a passarada,
tirava os bichos da manga,
botava a parelha na canga;
com a brocha a deixava atrelada.
Enquanto encambava os bois,
a patroa, já estava de pé
e dava o sinal da labuta
com a fumaça da chaminé.
Adoçando a vida dura
com as raspas de rapadura
no preparo de seu café.
Depois do café reforçado,
pra aguentar o dia de luta,
o carreiro pegava as tralhas
e rumava para sua labuta.
Sempre tinha um companheiro,
por nome de candeeiro,
que puxava os bois na conduta.
Quem já viveu esse tempo
deve estar imaginando
aquelas noites silentes,
com o querosene queimando,
e o amanhecer com a família
Zé Béttio no rádio de pilha
e a viola no peito tocando.
Era tudo muito simples
Na lida da vida rural.
A água ia na cabaça,
o dinheiro ia no “embornal”.
No pé, a “precata” de couro
Ou a botina cor de ouro
Tão comum no trabalho campal.
A carga era posta na mesa,
presa aos fueiros e à esteira.
E ainda sobrava espaço
pra sentar na dianteira.
Tocava os bois com o ferrão
e ouvindo gemer o cocão
seguia rompendo a porteira.
Ao sair para viagem
fazia o sinal da cruz,
“Pra mode” afastar os perigos
E, do céu, receber a luz.
com o carro cantando fino
seguia então seu destino
com fé no senhor Jesus.
Bruacas e feixes de lenha,
um fardo ou outra mercadoria
o carro de boi levava;
e muitas léguas percorria.
Abastecia a cidade
com a fartura e a diversidade
que a lavoura produzia.
Naquela doce rusticidade,
pelas veredas do sertão,
As rodas de pau cravejadas
deixavam suas marcas no chão.
Entre gritos e ferroadas
Os bois cortavam a chapada
E despontavam no espigão.
A parelha era amansada
e preparada para o ofício.
O amansador penava!
A batalha era bem difícil.
Mas, depois que amansavam
e com a canga se acostumavam
não havia mais sacrifício.
Viravam bons companheiros,
pelos donos, “batizados”.
As parelhas de estimação,
tinham nomes bem engraçados,
que vinham da afinidade,
dos traços da identidade
ou o valor dos serviços prestados.
Almirante e Marinheiro,
Boi Valente e Boi Mimoso,
Alvorada e Horizonte,
Boi Estrela e Boi Barroso,
Boi Pintado e Boi Malhado,
Diligente e Delicado,
Cara Preta e Orgulhoso.
Quando tinha festa na roça
Lá ia o carro de boi arrumado.
Era a carruagem das noivas
naquele distante passado.
o carro também servia
para levar quem falecia
e para a lida no meio do roçado.
Também tinha serventia
nos trabalhos de moagem.
As canas vinham no carro
e os bois mexiam a engrenagem.
A catraca ia girando,
e o engenho funcionando;
fazendo assim a prensagem.
Uma história tão bonita
Não pode ser esquecida.
Viva o carro de boi
e essa turma divertida!
Que organiza com talento
esse belo e bom evento
nessa terra tão querida.
Esse nosso desfile
Que já virou uma tradição.
Foi idealizado no colégio
pelo professor João,
pra mostrar à garotada
como era romper a estrada
nos confins do velho sertão.
É um evento singular,
organizado e atraente,
pra avivar a memória
com as coisas de antigamente.
Uma festa espetacular!
Se achegue para atestar
o que é feito tipicamente.
Ao evocarmos esse passado,
as cenas de uma realidade
vão surgindo em jovens mentes
e há um resgate da identidade
do lugar onde nasceram
e seus antecessores viveram
e formaram a comunidade.
Márcia Haidê
Julho/2019