MENINO DA ROÇA!!!

Nasci no Pé de uma Serra

Lá nas brenhas do sertão,

E lembro quando menino

Toda minha diversão,

Foi um cavalo de pau

A carrapeta e o pinhão.

E assim naquele “alazão”

Corria pelo terreiro,

Muito mais ancho do que

Qualquer valente vaqueiro,

Mesmo esse cavalo sendo

Uma vara de marmeleiro.

Sequer valia dinheiro

A carrapeta que eu tinha,

Mas pra mim era um tesouro

Pois era minha mãezinha,

Quem fazia ela pra gente

Com um carretel de linha.

Eu lembro quando a tardinha

Ela sentava no chão,

Segurando o carretel

Com uma faquinha na mão,

Pra fazer as carrapetas

Pra mim e pra meu irmão.

E do meu velho pinhão

Eu não me esqueço um segundo,

Foi daquele pé de angico

Na beira do grotão fundo,

De onde se tirou um galho,

Quem o fez foi Tio Raimundo.

Quem da roça é oriundo

Não conheceu regalia,

O canto dos passarinhos

Era a música que se ouvia,

Além do som dos chocalhos

Do gado na pradaria.

Rádio por lá não havia

Nem outro entretenimento,

Sem ter carro pra o transporte

Era grande o sofrimento,

Quando pra feira se ia

De pés ou em um jumento.

Sem haver planejamento

Como em tempos atuais,

Nem também preservativos

Sem prevenção os casais,

Geravam enorme prole

Com quinze filhos ou mais.

Com sacrifício esses pais

Criavam a filharada,

Sem ter comida abundante

E a água bem limitada,

Sem estudo, pois escola,

Na roça era descartada.

Muito cedo a criançada

Já pegava no pesado,

Mesmo tendo que deixar

A sua infância de lado,

Para cuidar da lavoura

Ou pra pastorar o gado.

E mesmo tendo enfrentado

O sol quente, o calorão,

De enfado nem se queixava,

Porque já tinha noção

Que pra ter dignidade

Tem que ter ocupação.

Carreguei água em galão

Com nove anos de idade,

De levar as latas cheias

Não tinha capacidade

Mas mesmo assim eu levava

Com um pouco mais da metade.

Nunca ia pra cidade

Nem mesmo em dia de feira,

Lá uma vez ia a missa

Na capela da ribeira,

Quando havia uma festinha

Em louvor da padroeira.

Uma velha benzedeira

Logo atendia o chamado,

Pra rezar algum menino

Que estivesse incomodado,

Com fraqueza ou com quebranto,

Com feitiço ou mau-olhado.

Naquele tempo atrasado

Que nem doutor existia,

A mulher engravidava

E nenhum exame fazia,

Pelas mãos de uma parteira

É que a criança nascia.

Quando a menina crescia

Que se tornava mocinha,

Não podia namorar

Nem tão pouco andar sozinha,

Por cem metros de distância

Pra casa de uma visinha.

Degustar uma galinha

Não era um ato frequente,

Só se chegasse visita

Importante e de repente,

Ou por outra se em casa

Estivesse alguém doente.

Tinha um viver diferente

A garotada do mato,

Não vestia roupa fina

Nunca calçava um sapato,

Não continha vaidade

Nem sabia o que era trato.

O perfume era um “extrato”

Que na feira se comprava,

Com um odor vagabundo

Fedia mais que cheirava,

Ninguém queria está perto

De quem o utilizava.

Um bom almoço era fava

Misturada com toucinho,

Com uma dose de cachaça

Ou com um copo de vinho,

Só em dias de domingo

Se chegasse algum vizinho.

Usar a roupa de linho,

Que é tecido grã-fino

O matuto nunca usava,

Porque desde pequenino

Vestia calça de “caque”,

E camisa de “tricolino”.

O roceiro nordestino

Desde pequeno já sabe,

Respeitar o que é dos outros

Só entrar onde lhe cabe,

Manter de pé seu direito

Antes que a moral desabe.

Luta pra que não se acabe

A decência, a integridade,

Mesmo sendo pobre e broco

Preserva a dignidade,

Pra que algum dia não seja

Privado da liberdade.

Mesmo sem ir à cidade

Nosso garoto da roça,

Não protesta e nem reclama

Da mão calejada e grossa,

E vive bem satisfeito

Morando numa palhoça.

Faz parte da vida nossa

E já se tornou rotina,

Acordar todos os dias

Quatro horas da matina,

Pra dá início ao trabalho

No curral ou na campina.

A criança pequenina

Que no mato é residente,

Se um dia for à cidade

Acha tudo diferente,

Diz, pai eu quero ir embora,

Pra palhoçinha da gente.

Talvez por ser inocente

Acha tudo muito estranho,

O movimento dos carros

Causa um barulho tamanho,

Que a sua audição coitada,

Só tem perda e nenhum ganho.

Melhor cuidar do rebanho

Na cocheira ou pastoreio,

Pois o que viu na cidade

Só lhe causou aperreio,

Não passa em sua cabeça

Jamais viver nesse meio.

E sempre terá receio

De habitar lá pela rua,

Porque sua “matutagem”

Favorece e insinua,

Que ele viva no seu rancho

Contemplando a luz da lua.

Aqui não tem falcatrua

Nem roubo e nem ladroagem,

Pois o roceiro prefere

Ser tachado de selvagem,

Que viver de vigarice

Usando a picaretagem.

Quem vive de malandragem

Até pode se dar bem,

Mas o matuto não ousa

Fazer isso com ninguém,

Pois prefere ser honesto

Honrando o nome que tem.

Eu podia ir mais além

Mas vou parar meu versejo,

Talvez por ser do sertão

Eu defenda o sertanejo,

Que ele continue honesto

Isso é tudo que desejo.

Carlos Aires

08/09/2017