joão ligeiro e ligeirinho

Todos sabem como foi

A vida de Lampião

Na história que nos contam

Os mais velhos e o povão,

Malfeitor e cangaceiro

Que atuou no sertão.

Junto com outros do bando

Era uma corja completa,

Tudo isso foi contado

Já nos livros dos poetas

Bandidagem e conflitos

Que aconteceram na época.

Muitas foram a versões

E as histórias contadas

As brigas, as invasões,

As lutas, as emboscadas

Sem paixão nem invenção

Pra mim, sobraram piadas.

Contarei umas histórias

Tidas como engraçadas

Encontros e desencontros

Que a mim foram contadas

Do bando de Lampião

Que ocorreu nas estradas.

- 01 -

No ano de vinte e sete

O dia estava nublado

A vinte e oito do mês

De março feito o translado

Teve início essa história

Lampião foi abordado.

No Rio Grande do Norte

O chefe estava acampado

No sono do meio dia

O homem foi perturbado

Um mensageiro veloz

Veio trazer-lhe um recado.

Um capataz de seu Pedro

Avisou a Lampião

Que ele devia estar

Na Fazenda Três Irmãos

Para uma conversa urgente

Com seu amigo Pedrão.

O portador conversou

Almoçou, deitou, dormiu

Depois selou o cavalo

Deu obrigado e partiu

O encontro ficou marcado

Pra primeiro de abril.

- 02 -

O cangaço e o poder

Representavam perigo,

Questão de terra e dinheiro

Só resolviam no tiro

Quem não fosse um aliado

Logo seria inimigo.

O bando em suas andanças

Nunca demonstrava medo

Pretendia ir bem longe

Por isso saíra sedo

Queriam logo chegar

Na fazenda de seu Pedro.

Saíram de madrugada

O sol não tinha nascido,

Não foram pela estrada

Pra não serem perseguidos,

Como a noite era escura

O chefe viu-se perdido.

Andando desnorteado

Sem saber se ia ou vinha

Meio atapalhados como

Gente perdida caminha,

Um deles olhou de lado

Avistou uma casinha.

- 03 -

O chefe chegou na casa

Bateu palmas com as mãos

Saíram uma mulherzinha,

Um menino, um ancião

Todos sem saber de nada

Era a família de João.

Lampião explicou tudo

Ao dono daquele lar

Que havia se perdido

E não podia ficar

Naquela situação

Pediu pra ele ajudar.

Eu quero é lhe levar

Disse o chefe com arrogo

Pra prestar informação

Não tome por desaforo

Na minha situação

Vale muito mais que ouro.

Eu bem que queria ir,

Mas, estou muito ocupado

Vou dar milho às galhinhas

E botar ração pro gado

Se não fosse esse imprevisto

Eu estava do seu lado.

- 04 -

- Neste sertão requeimado

Eu sou mesmo o maioral,

A desculpa não convence

Pois, pra mim não é legal

Se não quiser ir por bem

Aposto que vai por mal

- Pensando doutra maneira

Quero dizer pra você,

As galinha podem bem

Passar dias sem comer

E quanto ao gado, patrão,

Eu não quero nem saber!

Eu vou lhe acompanhar

Com prazer e alegria

Pra andar neste sertão,

Seja de noite ou de dia,

Eu não tenho um enfado,

Vou ser sua companhia.

Lampião fez um aceno

Os cabras foram na frente

Ele de chapéu quebrado,

Fez um arzinho contente,

Foi o último que saiu,

Seguiu, sumiu de repente.

- 05 -

Quando chegou na divisa

Paraíba - Ceará

Lampião falou a João:

- Tu "tem" que se ausentar,

Mas tem que passar no teste

Para poder te salvar,

O medo bem de repente

De João se apoderou

Ele trêmulo e indeciso

Uma palavra arrancou

De suas cordas vocais

E num tom baixo falou:

- O chefe pode ordenar

Que obedeço ao senhor

Eu só não sei é brigar

Mas sou muito corredor

Confio em "Padim Ciço"

E Cristo Nosso Senhor.

Estavam numa malhada

Vizinha a um serrote,

Embrenhado de jurema

Unha-de-gato, um magote

Foi aí que Sabonete

Apresentou-lhe um capote

- 06 -

- O amigo, disse ele:

Falou que sabe correr

Vai pegar este capote

E trazer pra gente ver

Se o bicho for "simbora"

Tu nunca mais vai viver

E atirou o capote

Em meio ao embrenhado

- Eu vou marcar os minutos

E vão ser: cinco contados

Se tu pegar fica vivo;

Se não pegar é finado.

João já todo arrepiado

Dentro do mato sumiu,

Antes, ele tinha olhado

Aonde o bicho caiu,

Com a partida de João

O bando todo sorriu.

Correu como um desvalido

Como faz os infelizes

Não respeitou os espinhos

Pulando toco e raízes

Logo agarrou o capote

E mais duas cordunizes.

- 07 -

João não voltou feliz,

Pois ele mesmo sabia

A corja que o esperava

E o risco que ele corria;

Felicidade é difícil

Nessas horas de agonia.

Apresentou o achado,

O bando se assustou

Um disse: - é um milagre;

Outro disse: - é corredor.

João pegou o embalo

E dali se evaporou.

Nisso Lampião falou:

Pegue o homem, Gavião!

Ele ainda correu,

Mas não houve solução

Só achou algumas tiras

Da camisa de João.

No rumo de sua casa

João não perdeu essa trilha

A ligeireza, a coragem

Libertara-o dessa ilha

E aqui eu deixo João

Junto com sua família.

- 08 -

Eu lembro de minha infância

Em muitas ocasiões

Do povo contando histórias

Nos terreiros e salões,

Umas causavam risadas

Outras davam emoções.

Contarei outra história

Que ouvi quando menino,

Contar história é difícil

Mas no Nordeste é um hino

O povo conta feliz

Tanto o pobre como o fino.

Os cangaceiros saíram

Um dia de quarta-feira,

O chefe ia na frente

E os demais em fileira,

Fazendo grande zoada

Que parecia uma feira.

De gente, ouviram rumor

Se espalharam no chão

Quando um deles se deitou

Pôs em sua boca a mão

Já foi fazendo um ruído,

Cantando igual a canção.

- 09 -

Esse tipo de ação

Era muito repetido,

Havia a combinação

Entre o grupo dos bandidos:

Quando um estava no chão

Os outros tinham caído.

O rumor então ouvido

Não era de muita gente,

O chefe ergue a cabeça

E avista um velho à frente

Sentado, bem apurado

Lendo a Bíblia contente.

Lampião aplicou ordem

Para um círculo fazer

E atacar o velhinho

Sem o idoso perceber,

Pegá-lo à traição

Sem dar tempo pra correr.

E organizou o bando

Preparou-o àquela altura,

E logo deu outra ordem

- Puxe as armas da cintura

Atirem logo no velho

E leve pra sepultura.

- l0 -

Isso em fração de segundo

Imediato foi feito,

O fumaceiro cobriu,

O círculo ficou estreito

De bacamarte e fuzil

E o velho do mesmo jeito.

Pra não dizer que o velho

Não fez uma só ação,

Ficou lendo sossegado

E desprendeu uma mão,

Quando a nuvem de fumaça

Fazia sombra no chão.

O bando vendo aquilo

Não estava entendendo,

Esperava que o velho

Já estivesse morrendo,

Ele despreocupado

Ainda sentado, lendo.

O chefe desconfiado

Resolveu se aproximar,

Quase não tinha palavras

Nem meio de se expressar,

Teve medo de morrer

Quem vivia de matar.

-11-

- Isso é assombração,

Fantasma do outro mundo

Que pode até me matar

Bateu-lhe um medo profundo

Lembrou-se dos seus pecados

Ficou quase moribundo.

A voz puxada do velho

Quase que fez-lhe correr

Mas o velho o acalmou

E começou a dizer:

- Não posso ser perturbado

Quando me concentro a ler.

Foi você e esses cabras

Que atiraram em mim.

Nesse mundo de desgraças

É comum ver gente assim,

Eu vivo só para o bem

Não aceito o que é ruim.

Lampião interrogou-lhe

- Mestre quem é o Senhor?

O velho lhe respondeu:

- Eu nem sei mesmo quem sou,

Me chamam de Ligeirinho

Ao seu inteiro dispor.

-12 -

Por falar em ligeireza

Não gosto de confusão.

Quero lhe fazer a entrega

De toda essa munição

Que atiraram em mim

Eu pude pegá-la à mão.

Lua Branca ficou pálido,

Sabonete desmaiou,

Jararaca quis correr

Gavião lhe sustentou,

Corisco caiu de medo

Quis falar mas não falou.

Nisso, Lampião olhou

A munição atirada:

Bala de rifle e canhão

Todas no chão ajuntadas

- Pensei que sabia tudo

Acho que não sei de nada.

Desconfiado, intranqüilo

Estava o cangaceiro.

E interrogou o velho

-O senhor é feiticeiro?

Se quiser andar comigo

Recebe ouro e dinheiro.

- 13 -

- Quem vive servindo a Deus

Não precisa de riqueza.

Eu nunca gostei de rico

Sempre amei a pobreza

Vivo em paz comigo mesmo

E o meu forte é ligeireza.

A Legião me protege

Mas eu sempre ando só,

Meu cabelo é bem curtinho

Se quiser faço cocó

Sei de todos os caminhos

E em pingo d'água dou nó.

Logo caiu um toró

Com relâmpago e trovão

O vento deu um açoite

Que sacudiu Lampião

E os cabras todos ficaram

Molhados feito pirão.

Logo que a chuva passou

O céu ficou nublado

Lampião se assustou

Quando olhou para o lado

E notou que Ligeirinho

Não havia se molhado.

- 14 -

Nenhuma gota de água

Tinha o velho tocado,

Em meio à chuva grossa

Ele pulou um bocado...

Mas até do menor pingo

Ele tinha se livrado.

Lampião rei do cangaço

Que nunca dava moleza.

Conhecia a artimanha,

Muitos golpes de destreza

Mas não tinha explicação

Pra tamanha ligeireza.

Foi caindo na real

E tratando de fugir

Olhando o matagal

Onde havia de sumir

Sem deixar nem um sinal

Sem mesmo se despedir.

Saiu correndo apressado

Desceu uma grota funda

Depois subiu a ladeira

Numa carreira profunda,

O cangaceiro correu

Que o pé bateu na bunda.

- 15 -

Lampião foi torturado

Por tamanho sacrifício.

- Correr com medo dum cabra

Sem fazer um rebuliço

Nunca havia acontecido,

Mas são ossos do ofício.

O campeão do gatilho

Primeiro na sutileza.

Depois deste episódio

Ele caiu na fraqueza

De querer não mais ouvir

A palavra ligeireza.

A raiva de Lampião

Obrigou o cangaceiro

A andar a noite e o dia

Correr o sertão inteiro

A procurar por um nome

Para não dizer ligeiro.

Depois de um grande esforço

Encontrou e teve paz

Tanto o chefe dos bandidos

Como qualquer capataz,

Rápidos poderiam ser

Mas ligeiros, nunca mais.

Valentim, martim e Q neto
Enviado por Mara de Andrade em 22/11/2016
Código do texto: T5831596
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