Eu já passei tanta fome / Que hoje como de tudo
Mote de autoria do poeta Valter Leal - Sociedade dos Poetas e Escritores de Pesqueira/PE
I
Depois da superação
Eu rio do meu passado
Mas eu nasci condenado
A morrer de inanição
A minha desnutrição
Me deixou fraco e ossudo
Eu era magro e olhudo
Quase a lombriga me come
Eu já passei tanta fome
Que hoje como de tudo
II
Nasci em pleno verão
Numa seca de lascar
Nem um peito pra mamar
Eu tive a satisfação
Minha mãe na gestação
Ficou de peito miúdo
De chupar fiquei bicudo
O seu peito quase some
Eu já passei tanta fome
Que hoje como de tudo
III
Nunca soube o que era chuva
Por quase toda a infância
E entrei na mendicância
Quando mãe ficou viúva
Comi calango e saúva
E me achava sortudo
E já dei muito cascudo
Pra respeitarem meu nome
Eu já passei tanta fome
Que hoje como de tudo
IV
Antes de adormecer
Ouvia as tripas roncando
E acordava pensando
O que diabo ia comer
Só não desejei morrer
Por medo do Cão Chifrudo
Quando eu lembro me sacudo
Esse medo me consome
Eu já passei tanta fome
Que hoje como de tudo
V
Quando a fome maltratava
Eu chegava a comer sal
Mas me sentia tão mal
Que às vezes vomitava
Então minha mãe me dava
Um chá de um capim taludo
Que dava um queimor agudo
Da goela pra o abdome
Eu já passei tanta fome
Que hoje como de tudo
VI
Depois de uma tempestade
Sempre vinha a tanajura
Era o tempo da fartura
E eu comia à vontade
De tanta felicidade
Eu caía no entrudo
Chegava a ficar pançudo
Até me sentia home
Eu já passei tanta fome
Que hoje como de tudo
VII
Se no tempo de criança
Eu não tinha o que comer
Consegui sobreviver
E manter a esperança
Mas pra viver na bonança
Me dediquei ao estudo
Vou ser rico e barrigudo
Assim que eu me diplome
Eu já passei tanta fome
Que hoje como de tudo
VIII
Depois que fui pra escola
Foi uma sorte tremenda
Porque lá tinha merenda
Não pedia mais esmola
Levava até na sacola
Para o meu irmão menudo
Um molequinho orelhudo
Chamado de Google Chrome
Eu já passei tanta fome
Que hoje como de tudo
IX
Qualquer fominha que tenho
Não deixo que ela cresça
Fico com dor de cabeça
Nervoso e franzindo o cenho
Por isso não me contenho
E com pouco não me iludo
Fico logo carrancudo
Melhoro quando ela some
Eu já passei tanta fome
Que hoje como de tudo
X
Não pretendo jejuar
Nem mais na Semana Santa
No café, almoço e janta
Eu como pra me lascar
E na hora de lanchar
É sempre um lanche polpudo
Se alguém tem fome eu acudo
Se pedir, eu digo: Tome!
Eu já passei tanta fome
Que hoje como de tudo